quinta-feira, maio 14, 2009

Holocausto

Hoje de manhã, numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, aqui em Paris, Eduardo Lourenço dizia que, se pensarmos bem, a escravatura pode ser considerado o primeiro holocausto. Nunca me tinha ocorrido, mas, como quase sempre, ele tem razão. Porém, nem todos são da minha opinião.

À noite, com amigos seus, tive o privilégio de ter Eduardo Lourenço a jantar em casa, falando-nos do mundo e da Europa que o fascina e intriga. Quem, no nosso país, reflecte em profundidade sobre a Europa e o papel de Portugal nela, senão Eduardo Lourenço?

11 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente, se olharmos a História e nela recuarmos, somos capazes de encontrar outros, além desse - referido por Eduardo Lourenço. O Homem sempre teve essa “capacidade extraordinária” de fazer (e saber como fazer) mal ao próximo. Creio ser o único caso no reino animal…de que fazemos parte, naturalmente.
P.Rufino

Unknown disse...

A escravatura é uma constante no percurso humano... desde os primordios passando pelos grande Impérios acabando hoje por exemplo no trabalho mal pago já para não falar do infantil etc etc. E então se falarmos no feminino a escravatura toma quiçá contornos para além dum holocausto.

Gian disse...

Mas se formos pensar assim, poderíamos considerar toda e qualquer guerra pré-histórica como o primeiro Holocausto.

Anónimo disse...

Não tenho dúvidas sobre a reflexão de Eduardo Lourenço que é um eminente intelectual. Em todo o caso a escravatura foi uma tragédia para o povo africano e Portugal não pode sair desta história de forma altruísta. Um relatório da Unesco sobre a escravatura, de 1978, diz que entre 1450 e 1900, mais de 11 milhões de africanos foram sujeitos ao comércio de escravos e que Portugal terá sido responsável por mais de 4 milhões e duzentos mil. Foi um dos primeiros estados a fazer comércio de escravos vindos de África e, durante um longo período, um dos principais traficantes.
Se depois também foi um dos primeiros países a abolir oficialmente a escravatura isso não corresponderá ao fim do trabalho escravo. As relações de produção que continuaram nas colónias atestam bem desta realidade. Quem podia considerar que estas situações eram suportáveis sem revolta?
Podemos é interrogar se se trata de “primeiro” holocausto porque a palavra, muito antiga, teria já sido utilizada para outras mortandades...
José Barros

Anónimo disse...

A imagem é de uma serenidade celestial(para mim...).

Também não me ocorreria ilustrar o contexto deste pensamento com a insondavel luminosidade de um olhar, deste olhar.Surpreendente toda a expressão facial.

Não duvido que qualquer tipo de escravatura seja um holocausto,o primeiro? Pode ser...
Isabel Seixas

Anónimo disse...

Porque nao ?

Parece-me que ja era até alias, a ideia que deixava supor Vergílio Ferreira.

Quanto a mim, a escravatura é a consequencia de uma tal fraqueza humana, que de um certo ponto de vista, pode ser abordada de varias maneiras, e sob angulos (ou visoes) que até curiosamente podem parecer opostos.

Filosofia...

Mas filosofia relativa a um dos maiores defeitos humanos; a "desconsideraçao do homem", até o seu nivel o mais baixo, e em paralelo o aproveitamento da suas potencialidades, (que elas sao bem reais)... o que é um paradoxo.

(Noutro contexto, e com mais tempo e espaço, até diria que o mesmo tipo de paradoxo està hoje a tornar-se em vigor, nas sociedades "modernas", com uma aparencia diferente e uma relatividade inevitavel, mas isso seria outro debate).

Visto que a escravatura (em geral) acabou por mortes (ou seja por "massacres suaves" em massa), e exterminaçoes nao contadas, a comparaçao entre escravatura e holocausto nao é totalmente ridicula.

Nao me perece portanto que ao dizer isso o Eduardo fumou a alcatifa :-)

No entanto a questao merece uma abordagem muito mais completa que algumas frases num comentario, utilizando aspectos e passagens especificas da historia.

Um tema que acabarà de certeza por mostrar varias contradiçoes.

Mario

Alcipe disse...

O Holocausto é a exterminação deliberada e generalizada de uma raça específica (genocídio).

A escravatura, praticada não só pelos europeus, é a redução de seres humanos a um estatuto de coisas ou animais (ver o Direito Romano).

Não estou do acordo com o meu querido amigo Eduardo Lourenço, a quem mando um saudoso abraço.

João Antelmo disse...

Não sei se Alcipe tem razão.
A palavra "holocausto" foi de facto, depois da II Guerra Nundial, assimilada ao genocídio dos judeus; no entanto, o seu significado original é o de sacrifício aos deuses, normalmente de animais. Esse é o significado que assume nos textos bíblicos (de que o cristianismo proporcionou a tradução em grego língua donde provem a palavra.
Nesse sentido, E. Lourenço poderia usá-lo, como significando "hecatombe", um quase sinónimo;
A escravatura foi, de facto, um holocausto, o primeiro em escala industrial e sistemático.
Por outro lado, se de facto a escravatura foi praticada por outros povos além dos europeus, seria "tentar tapar o sol com a peneira" tentar escamotear que foram os europeus (e os portugueses os pioneiros) que instituiram a escravatura como uma "empresa industrial" pelo volume das transacções, pela escala quase planetária do empreendimento, pela maximização dos lucros (v. a "acomodação" dos cativos nos navios negreiros), pela desumanização absoluta dos negros negociados; nunca a condição de escravo tinha atingido a "reificação" da pessoa humana como o fez o tráfico negreiro.
Em África, antes da chegada dos portuguese, e como acontecia em Roma ou na Europa e no Islão medievais, a condição servil ou escrava comportava uma dimensão quasi-familiar e conservava alguns direitos (Roma punia o assassínio "injustificado" de um escravo e nos grandes Estados africanos pré-portugueses não era raro escravos serem elevados aà categoria de governantes ou de chefes militares); compare-se isso aos escravos negros "exportados" para as Antilhas e para as Américas.

Anónimo disse...

De Alcipe

Todo e qualquer o massacre é um holocausto?

A escravatura, quando não é praticada pelos portugueses, é boa, amiga e familiar (era, aliás, o que os brasileiros diziam no século XIX)?

O Hitler não inventou nada de novo?

Industrialização do massacre dos seres humanos e industrialização da redução dos seres humanos a mercadorias é uma e a mesma coisa?

Só há o eixo do Bem (os outros) e o eixo do Mal (os colonialistas europeus) - onde é que eu já ouvi falar destes eixos do Bem e do Mal?

Só pergunto...

Joana disse...

The same mess with different masks.

Tem sido sempre assim, na história da humanidade... Chamemos-lhe o que quisermos: holocausto, massacre, genocídio, escravatura. É tudo uma deMONSTRAção do ego do ser-humano. Falemos da natureza humana? Sim, mas talvez as alterações climáticas também façam ao Homem ver que também ele tem de mudar. É tudo uma projecção da relação de superioridade/inferioridade que existe dentro de cada um e, à escala global, muita desigualdade é manifestada neste mundo.

Tomando atenção às palavras, como é que ainda não se vê que a Humanidade é Uma Unidade???
Todos iguais, começando por partilharmos o mesmo planeta. Os acessórios são diferentes mas o corpo e as origens são as mesmas. Temo-nos esquecido do essencial... mas temos feito grandes esforços para justificar as desonestidades humanas.

Enquanto o mundo estiver em separação e os povos se acharem inferiores/superior uns aos outros, isto vai continuar. A mudança começa em cada um, a mudar a suposta "natureza humana".

Be the change you want to see in this world

João Antelmo disse...

Não quis estabelecer quaisquer paralelos e muito menos menorizar o horror da shoa.
Limitei-me a tentar (canhestramente, é claro) defender o ponto de vista de E. Lourenço, partindo do significado etimológico da palavra.
Sá acrescentarei que "holocausto" - a palavra - significava também que as vítimas sacrificiais eram, depois de abatidas, queimadas.
Tal como as vítimas da "solução final" eram cremadas.
Again, a escravatura praticada pelos portugueses não era pior nem melhor do que as outras; foram apenas, como em outras empresas da época, modernos "avant la lettre".Pretendi só chamar a atenção para um facto indesmentível: foi com a chegada dos europeus que a escravatura perdeu os resquícios de humanidade que ainda tinha.
E a quantidade gera a qualidade: comparar a venda de alguns prisioneiros de batalhas entre sobas, régulos ou pequenos potentados com o tráfico negreiro industrial...
É esse aspecto "industrial" que acresce, também, ao horror do extremínio dos judeus.

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