quinta-feira, março 04, 2010

Tristeza

Uma análise de duas páginas que o "Libération" ontem trouxe sobre Portugal foi ilustrada pela fotografia de três jovens. Como o texto foca o problema  das condições de precariedade no nosso mercado de trabalho, é natural que as caras não se mostrem sorridentes e bem dispostas - ou melhor, que o jornal tenha optado por fotografias que não contrastassem com o sentido do texto.

Com todo o subjetivismo que esta minha análise possa ter, sou de opinião, porém, que o "Libération" se sentiu subliminarmente tentado a seguir uma ideia estereotipada, que, sobre os portugueses, subsiste no imaginário de muitos franceses: gente grave, de ar sério, um tanto formal e reservada, que às vezes parece "assustada" com o mundo. Como todas as caricaturas, esta minha leitura também vale o que vale.

Ficou-me desde sempre na memória a capa da 2ª edição (ver supra) do livro "Portugal", de Franz Villier, publicado na Petite Planète, a seguir ao 25 de Abril, que figura na imagem. O que nela se vê é revelador: uma jovem portuguesa de ar vagamente suburbano, já com alguns traços de modernidade na discreta maquilhagem, num fundo tradicional, marcada por uma quase endémica tristeza, que a luz ambiente como que sublinha. A graça - se é que isto tem alguma graça - é que a capa da 1ª edição do mesmo livro (ver infra), feita ainda ao tempo do Estado Novo (1957), era igualmente caricatural: uma mulher rural, xaile negro, olhar neutro e parado, com um pálido roxo pascal a atenuar o branco-e-preto original. A rue Scribe, que então controlava a "diplomacia pública" portuguesa em França, tinha feito o seu trabalho...

Comprazemo-nos, historicamente, a contrariar o "les portugais sont toujours gais", da opereta de Lecocq, que foi buscar a imagem a Alphonse Allais, ao espalharmos, como Mariza o canta tão bem
 
"sempre que se ouve um gemido, 
numa guitarra a cantar, 
ó gente da minha terra,                
agora é que eu percebi,
esta tristeza que trago,
foi de vós que a recebi.

Depois, não nos podemos queixar do "Libération"...  


14 comentários:

Helena Sacadura Cabral disse...

É a imagem do fado, Senhor Embaixador. Apesar deste fado já ter cantado grandes poetas. Mas sempre tristes ou, pelo menos nostálgicos. É isso e um certo sebastianismo...

Anónimo disse...

Já vi imagens piores no passado, sobre a mulher portuguesa. Estas pelo menos são jovens e até bonitas. Em tempos, estavam mais tapadas na cabeça e podia-se adivinhar um buço e sempre vestidas de preto (pelo menos, parecia de propósito, irem "pescar" fotos desse género). Agora, pergunto, para quando acabar com este esteriótipo? O Turismo português, ou quem é responsável por isso, não quererá fazer um "investimento" para melhorar este preconceito?
Albano

Julia Macias-Valet disse...

Nao posso estar mais de acordo !
Quando nos anos 90 vim trabalhar para Paris perguntavam-me constantemente se era italiana. O estereotipo é de tal ordem que nao podem imaginar portugueses altos, louros e que falem sem assobiar os "ss".
Um dia desloquei-me a Portugal para uma reuniao com um colega francês. Apanhamos um taxi no aeroporto. E nunca tinha visto um homem com um ar tao embasbacado. No final do dia disse-me "Nao imaginava que houvesse tantas mulheres loiras e com mini-saia". Pensei "Mais um que achava que nos vestiamos como na publicidade ao PORTO CRUZ - Le pays où le noir est couleur. Enfim...

http://www.portocruz.net/home.html

Anónimo disse...

Excelente nota,Senhor Embaixador.Onde acabam os seus conhecimentos culturais?

Helena Oneto disse...

É a imagem que nos cola ao corpo! a do fado que trazemos em nós como muito bem diz a Senhora Dr Helena Sacadura Cabral. Sem querer caricaturar, o povo português é triste e tem muitas boas razões para o ser.
As figuras das duas capas são muito bonitas. A beleza das mulheres portuguêsas não é so fado!

Alcipe disse...

"Si les Portugais sont toujours gais,
les Espagnols sont toujours gnols?"

(citação original de Alphonse Allais)

Anónimo disse...

Excelente este Seu ponto de vista, realista...
Mas não só, mas também, com carácter de inclusão é evidente que Nós somos tudo isso e Mais..."Diversidade de imagens e estados de espírito".

Agora que temos que deixar a tentação mórbida de privilegiar a Parte em detrimento do Todo...
Oh! É claro, nem sempre nem nunca...

Temos de facto o Fado, que bom e o folclore?A música erudita e a popular?Emigrantes de outras paragens que apesar da sua formação académica superior no Seu País, preteriram-na para salvaguardar o direito à subsistência da Paz saciada no nosso País através de empregos precários e duros, sem serem menos dignos,de mulher a dias até a moço de recados...

E para os mais aventureiros temos "as assembleias" e as Tavernas...
As cidades e os campos, as praias...
Pois eu, daqui não saio e daqui ninguém me tira.
Isabel Seixas

Anónimo disse...

E que tal admitir que o Turismo português, e outras entidades com responsabilidade nesse campo, fazem um mau trabalho na promoção da imagem de Portugal no exterior. Na melhor das hipóteses são ausentes nesse campo.

Veja-se o caso do Brasil onde o tempo passa mas o português continua a ter a imagem de pouco evoluído, atrasado etc Investem em promoções mas essa imagem pouco muda. Com certeza que alguém não estará a fazer um bom trabalho...

Portugal não é tão atrasado e parado no tempo como a sua imagem no exterior quer fazer parecer.
As empresas portuguesas enfrentam duplos desafios devido a essa análise nem sempre correcta.

E por favor....terminem com essa RTP Internacional que faz um péssimo efeito na imagem de Portugal...

Fernando Correia de Oliveira disse...

Senhor Embaixador:
Os estereótipos são como as agências de rating... existem e é muito difícil combatê-los.
E concordo com o anónimo que falou da RTP Internacional - sempre que estou no estrangeiro não posso deixar de ter vergonha com a imagem que transmite, quando a sintonizo - não estamos sós, fazemos companhia à ruralidade e boçalidade dos canais do leste europeu ou à monotonia medieval dos canais árabes. Les beaux esprits se rencontrent...

Julia Macias-Valet disse...

Querido(a) Anonimo(a) das 15h56, adorei as três ultimas linhas do seu comentario.
Caso decida lançar um abaixo-assinado diga-me onde estara a folha ; )
A RPT Internacional nao é ma, é péssima ! E os portugueses e os luso-descendentes que estao longe da patria merecem bem melhor.

Eu chamo-lhe o canal F ao cubo : Futebol, Foclore & Fuleirada.

Helena Sacadura Cabral disse...

Nunca vi comentários tão certeiros como estes, a essa "blague" paga com o nosso dinheiro - e ainda com publicidade - que se chama RTPI

Anónimo disse...

"Tristeza" de mãos dadas com "Alegria"...

Do ponto de vista da fiabilidade e consistência dos resultados de estudos de investigação, o paradigma quantitativo é o mais seguro para se poder extrapolar dados face à representatividade da sua amostra baseada em maiorias...

Nas prospeções de mercado, feitas de forma prudente pelos investidores, penso que será a determinação dos gostos das maiorias que seleccionará a tipologia de programas a apresentar...

Se me perguntam que música eu oiço, que antologias leio... claro que concordo com tudo o que foi dito...

Agora que acabem com a predileção de programas representativos de segmentos de população que não entendem Pessoa mas encontram compatibilidade em ... José Régio!!!
Sabem que são os verdadeiros protagonistas das canções do Zeca e Godinho, mas têm dificuldade em entender a subjectividade das metáforas e preferem a alegria do Quim e do Roberto Leal... Pois pelo menos fazem esquecer...

O "Quién puso el desasosiego en nuestras entrañas
Nos hizo libres pero sin alas
Nos dejo el hambre y se llevó el pan"

Pois é... quem vê os programas da RTP 2, também tem direitos claro que sim... Mas não é banindo os do povo.

Também classificar de melhor ou pior é simplesmente Juízo de valor.

Acho que ambos podem coexistir pacificamente o "Snobismo intelectual de Pessoa"perpetuado e bem no chiado, a Florbela Espanca cantada Maravilhosamente pelo Luís e o Pablo Milanês...Mas que a nossa Banda centenária dos Pardais também tem audiência, Oh ai, se tem...Ah! E detém a hegemonia e supremacia das preferências do povo claro!
E o meu respeito.
Isabel Seixas

Myriam Zaluar disse...

É pena que o senhor embaixador se mostre mais preocupado com a imagem de Portugal e dos Portugueses lá fora do que com o conteúdo da reportagem que mostra uma situação social explosiva. Ele e o conjunto dos comentadores. Mas provavelmente tem a ver com o facto de a nossa realidade ser tãããão distante....

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Evoco este pertinente texto do Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa no meu post "Centenário d' 'Águia', no nº 5 da Revista Cultural 'Nova Águia' - breves considerações" ( in www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt ).

Com efeito, não me parece que o povo português tenha uma alma triste, o que acontece, a meu ver numa intuição de sociologia histórica, é que a falta de condições económico-sociais ou o excesso organizativo de determinadas regiões/ sociedades determina, muitas vezes, uma mentalidade mórbida e pessimista. São, em grande parte, estes factores que explicam as elevadas taxas de suicídio que se verificam no Alentejo ou, internacionalmente, nos países Escandinavos.

No meu artigo que preanuncio nesse post do meu blogue desvendo um pouco algumas das raízes históricas que estão por detrás desta mentalidade melancólica com que nos estereotipam ou nos deixamos estereotipar.

Saudações cordiais,
Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

Maduro e a democracia

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