quarta-feira, junho 08, 2016

Sermão

As pessoas acreditam naquilo que querem acreditar. Em particular, acreditam no que lhes prolonga as ideias feitas, no que entendem como sendo "lógico" e no que lhes aparece como podendo desenhar-se como "óbvio". E se o que lhes é servido como verdade tem o condão de adubar sentimentos pré-existentes, então o processo de convicção pode dar-se como adquirido. Essa é a glória do criador da crença, para quem o supremo objetivo era construí-la, dá-la como evidência e vê-la partilhada, difundida e aceite como "a verdade". 

Ingenuamente, pode argumentar-se que, para além da crença, há que ter em conta esse pormenor, quiçá marginal, que são os factos. E que, às vezes, os factos apontam, de forma cristalina, no sentido de infirmar, em absoluto, a crença entretanto estabelecida. Neste caso, "tant pis" para os factos. Se acaso eles não acompanham o rumo da crença, esta dispensa-os, por irrelevantes e incómodos. É dos livros. Pirandello dizia que "a cada um a sua verdade". É verdade, cada um fica na sua. Apesar da verdade, na verdade, ser só uma. E, às vezes, a crença nada ter a ver com ela. Mas que importa? As pessoas acreditam naquilo que querem acreditar.    

13 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Entre as crenças, os valores, os hábitos, e os preconceitos irracionais, há sempre uma interpretação diferente dos factos.
E quando o Senhor Embaixador escreve que cada um detém a sua verdade, eu direi: e porque não? Cada indivíduo deve poder usar de maneira autónoma a sua razão, o seu julgamento. E é nisto que libertamos o indivíduo das autoridades exteriores, politicas ou religiosas, Qui
ditariam a opinião a seguir.

Quando se diz que todas as opiniões se valem, o que é que existe de contraditório nesta afirmação?

Anónimo disse...

Tudo o que aqui se diz da crença, deveria, em minha opinião, designar-se de "crendice". Porque a crença tem mais a ver com a confiança, elemento fundamental de acesso à verdade (mas não único) enquanto que desencadeia o caminho de a procurar. A "crendice" é essa "facto mental" que nada faz procurar, que com nada se espanta, a não ser com tudo o que confirma o ponto de partida. A crendice é um círculo fechado em si mesmo.


Luís Silva

Anónimo disse...

Aplica-se como uma luva aos actuais "voadores-de-ilusões-socialistas".....

ignatz disse...

este poste vem propósito de quê? se fosse mais específico talvez se pudesse discutir o assumpto, assim cheira a lágrimas de madalena.

APS disse...

Sr.Joaquim de Freitas, desculpe-me a loa que, certamente, dispensa: o Senhor é o único comentarista lúcido que eu gosto de ler neste interessante Blogue do Senhor Embaixador.
É claro que estamos do lado esquerdo (ocidental, quero eu dizer...) de Portugal, uma vez que temos ambos a ver com Guimarães. O Senhor Embaixador, porque é transmontano, está do lado direito (oriental, portanto) português. Claro que a minha perspectiva de visão geográfica é, naturalmente, sulista.
Saudações cordiais!

Anónimo disse...

E a verdadeira VERDADE o que é??
Se me souberem dizer isto eu ou aceito ou não porque já se diz há muitos séculos que a verdade é filha dos tempos. O resto é especulação ou mesmo propaganda.

Anónimo disse...

Só há uma verdade: a dos factos.

Sempre me espantei com a quntidade de gente que vive uma vida virtual, assente na proclamação de mentiras - não têm outro nome - encadeadas umas em cima das outras e que compõem a construção da "verdade" que proclamam.

Nesse exercíco, em momento algum, esses crêem no que dizem como sendo a verdade, sabem que se trata de mentiras, encapotadas de factos, essses sim verdadeiros, que não se destinam senão a dar credibilidade ao que dizem de si, dos outros, da sua vida e da vida alheia.
Se reconhecemos uma ponta de verdade numa história, tendemos a achar que toda ela é verdadeira.É com isso que contam os mentirosos.
Conheço um sítio que está cheio deles.

Carlos Fonseca disse...

Já dizia o outro: "Um tipo bem informado é o que tem a mesma opinião que eu!"

Quanto a Pirandello: ainda haverá quem o leia?

Anónimo disse...

Quem se ater apenas aos factos nunca criara factos novos e naHistoria ouve muitos que mudaram os factos:os que ficaram na História.
Fernando Neves

Anónimo disse...

O ignas é um inocente e não dá conta!

Jaime Santos disse...

Sem dúvida. E é sobretudo notável a capacidade de pessoas particularmente inteligentes em despacharem o óbvio com racionalizações. Veja-se os esforços inauditos de Jorge Coelho e Lobo Xavier para justificarem ou não se comprometerem com a nomeação de Paulo Portas para a Mota-Engil, por exemplo...

Joaquim de Freitas disse...

Ao Senhor comentarista: APS: Obrigado, mesmo assim! Não sei se o nosso Embaixador apreciou que o situasse no “Oriente” , donde vem o Sol, e muitas outras coisas! Também aprecio este Blogue, verdadeiro espaço de liberdade.

Ainda sobre este vasto tema da « Verdade », recordo ter lido o que declarou Léon Blum, que foi durante anos jornalista, quando regressou da deportação na Alemanha.

Aos seus camaradas disse que sabia agora, que a regra de ouro desta profissão de jornalista não era de “só dizer a verdade”, o que é simples, mas de dizer “toda a verdade” o que é bem mais difícil. Como uma testemunha perante o tribunal.

O presidente do júri só lhe pede a verdade que lhe é humanamente perceptível, aquela que pôde apreender num certo lugar, a uma certa hora, relativamente a certas pessoas.

Mas ao jornalista é pedida uma verdade mais ampla, complexa e desmultiplicada.
Bom. Mas o que é “toda a verdade” na medida em que é possível de definir “só a verdade”?

Saudações cordiais doutro Vimaranense.

Isabel Seixas disse...

Também gosto muito de filosofia e também costumo evocá-la nos momentos de rejeição de insatisfação pessoal e de reflexão profunda, porque me ajuda muito a perceber que de facto só faço parte ,mas faço parte e a parte ainda que milionésima é parte, ora essa...

curiosamente faço melhor a catarse com a filosofia do que com a psicologia pura ou seja é mais dura, pra mim claro para outros pode até ser a verdadeira mentira, ah e eu ralada e consumida...
agora que gostei do post gostei imenso, Bolas...

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...