sexta-feira, maio 07, 2010

Reino Unido

Habituamo-nos a olhar para o sistema político britânico como a "mãe das democracias". À hora da madrugada a que escrevo, as televisões dão-nos nota que, em muitos locais de voto, milhares de pessoas foram impedidas de votar, que isso originou inéditos protestos, num sistema que costuma ser "à prova de bala" em matéria de legitimidade. E isso ocorreu precisamente num momento em que a possibilidade de uma maioria simplesmente relativa se apresenta como plausível. Acontecesse isto em Portugal e caíam-nos todos em cima, com acusações de primarismo e de desorganização latina ou mediterrânica.

Sempre tive a sensação de que os britânicos mantêm uma certa snobeira no caráter quase artesanal do seu sistema de voto, que obriga a longas contagens pela noite dentro e às paroquiais leituras dos números dos sufrágios, que antecedem os discursos de vitória dos deputados, acolitados pelo cônjuge e prosélitos, com aquelas rodelas de folhos coloridos ao peito. Mas também tenho a certeza que as confusões de ontem, se não vão colocar minimamente em dúvida o resultado final dos sufrágios, irá obrigar a uma reflexão futura sobre o sistema. Mas duvido muito que mudem...

Quanto ao resto, a noite eleitoral televisiva foi o que costuma ser: divertida, plural, agitada. Devo dizer, contudo, que senti saudades dos gestos largos de Peter Snow, que nos mostrava as ondas vermelhas ou azuis, com os seus "swings", nas paredes virtuais da BBC, bem como das gravatas berrantes de Jeremy Paxton, que agora deram lugar a modelos com um cinzentismo digno da "city". Quanto ao resto, para quem acompanha o sufrágio britânico pela televisão já há algumas décadas, foi um sereno "déjà vu", de David Dimbleby a John Simpson. Podia ser diferente? Podia. Mas não era a mesma coisa...

Diferente do habitual, claro, só o resultado.

quinta-feira, maio 06, 2010

Europa?

A Europa está numa encruzilhada. E nada pior do que estar num cruzamento sem a menor ideia do caminho a seguir. Como agora acontece, com toda a evidência. O que é mais chocante, para quem acredita nas virtualidades do projeto, é verificar que parece não haver sequer linhas de rumo alternativas em estudo, que a Europa claramente "navega à vista". Às vezes, ao observar o comportamento e o discurso lúgubre de certos líderes, quase que dá a sensação que alguns integraram  já no seu pensamento o euroceticismo que pressentem prevalecer nos seus cidadãos, entrincheirando-se na defesa de egoísmos nacionais, porque sabem que assim estão melhor protegidos de críticas. Esses lideres esquecem uma realidade simples: no passado, os grandes passos da Europa, aqueles que consagraram os seus antecessores como figuras da História, fizeram-se com atos de vontade e de ousadia, com propostas que não eram, necessariamente, populares quando foram apresentadas. Liderar não é seguir as sondagens da opinião pública, é ter a coragem de pôr em prática novas políticas para convencer essa mesma opinião pública a mudar.

A grande ilusão europeia, que consistiu em criar instituições e modelos de ambição limitada, que foram o saldo do que, relutantemente, a tibieza de alguns conseguiu consensualizar na gestão mesquinha dos egoísmos nacionais, no pressuposto de que a mera dinâmica viria a consagrá-las como eficazes, mostra estar a chegar ao fim, precisamente às mãos das perversidades e caprichos de um mercado que sempre pensou que conseguiria adaptar às suas regras.

A ironia é ver hoje países poderosos, aliados reticentes de outros com fragilidades que todos sempre conheceram, à  espreita matinal dos mercados, à mercê do imprevisível resultado das negociatas de especuladores, adotando com atraso soluções provisórias para problemas definitivos.

Como ontem disse Jacques Delors, na sua entrevista à revista "Challenges", "a Europa está face ao seu teste mais importante" e, se quer salvar o euro, tem de avançar para a aproximação das políticas económicas nacionais e das legislações fiscais, bem como atuar no âmbito das políticas sociais. Para Delors, as coisas têm de voltar ao que foram: "sentido de ação, cooperação acrescida, pequenos passos, método comunitário (...) e, depois, agir". É uma receita simples, que sempre se mostrou eficaz.

Quando o euro foi criado, recordo-me que uma das grandes preocupações era a assimetria das consequências da introdução da moeda única em economias nacionais de matriz e "performance" tão diversas. O otimismo prevalecente, essa espécie de "bondade" natural que se pensava que o euro acabaria por ter para todos, obnubilou o outro lado da moeda (única): as consequências, a prazo, dessa mesma diversidade na sustentabilidade do euro, sem uma aproximação progressiva de outras políticas complementares, que se mantinham diferentes entre os Estados subscritores. Bastava olhar para a Europa do euro como se olha para um país para perceber isto, mas a verdade é que todos pareceram apostados em não enfrentar as evidências.

Jacques Delors, que foi o estratega dos tempos mais positivo da integração europeia, relembra agora, como o fizeram, sem o afirmarem, Robert Schuman e Jean Monnet, que "o medo pode ser bom conselheiro". Às vezes é, porque, outras vezes, pode apenas paralisar as tropas. À suivre, como se diz na banda desenhada.

quarta-feira, maio 05, 2010

Pedro Rosa Mendes

Uns meses após chegar a Paris, alguém me falou no nome do futuro correspondente da agência noticiosa Lusa, que iria ser aqui colocado: Pedro Rosa Mendes. Interroguei-me sobre se seria o escritor do excelente romance "Baía dos Tigres". Era.

O Pedro acaba de publicar a "Peregrinação de Emnanuel Jhesus", onde projeta a sua experiência timorense. É um simpático "luxo" para os portugueses de Paris terem aqui, como correspondente, um escritor já consagrado pela crítica.

Marx

Faz hoje 192 anos, nasceu em Trèves, uma cidade alemã, um filósofo e político cujas ideias iriam dividir o mundo: Karl Marx. 

Para utilizar uma expressão que Sophia de Mello Breyner dizia a propósito de um certo crítico literário, na minha juventude li mais Marx do que compreendi... Nesses tempos de universidade, para muitos de nós, ser "marxista" estava no "air du temps", qualquer que fosse a tendência que se escolhesse - e elas eram imensas, no menu ideológico disponível. O marxismo, mais ou menos "mecanicista" (que estiver interessado pode aprofundar o conceito), fez parte da escola de pensamento de muita gente da minha geração. Não deixa. aliás, de ser patético observar o modo como alguns se empenham em querer fazer esquecer esse seu tempo. Coitados... 

Há dias, ao ouvir referir que Trèves pertenceu ao Luxemburgo, tendo essa região sido integrada na Prússia num momento de infortúnio, lembrei ao embaixador desse país em França que, afinal, Marx poderia ter sido... luxemburgês!

"Para a troca", o meu colega disse-me que o atual arcebispo de Munich se chama Reinhard Marx e que tinha nascido em ...Trèves! 

Nunca se sabe as surpresas que as (eventuais) famílias nos reservam...

terça-feira, maio 04, 2010

O futuro

Um amigo antigo, homem "sábio" que conheci nas lides de Bruxelas, dizia-me ontem que o ambiente de mal-estar que atravessa a Europa se deve, essencialmente, ao facto de, pela primeira na história da unidade europeia, haver a clara consciência de que, às novas gerações, estará reservada, por um tempo indeterminado, uma qualidade de vida inferior à que as gerações precedentes usufruiram. No passado, o discurso oficial e o sentimento popular iam no sentido de mostrar que o "progresso" iria contribuir para a melhoria de condições de existência, razão pela qual valia sempre a pena ter esperança no futuro. Agora não.

"O problema já não é as pessoas não acreditarem que esta Europa nada pode fazer por elas. A grande questão é que começa a generalizar-se o sentimento de que as coisas estão piores por causa da Europa...", disse-me esse amigo, entre o desencantado e o resignado, mas, apesar de tudo, confortavelmente apoiado na choruda reforma que a União Europeia não deixa de dispensar aos seus leais servidores. Ao contrário do que sucede com as angústias por que passam os "civil servant" dos Estados membros.

Esta conversa fez-me lembrar uma graça que por aí anda, com a crise: "Este ano está a ser tão mau, tão mau, que já parece o ano que vem"...

Cavalos

Nos anos em que estudei semiologia, com Eduardo Prado Coelho, em cursos no Centro Nacional de Cultura, no início dos anos 70, estava longe de ligar as teorias de Saussure ao modo de relacionamento do homem com o cavalo.

Ontem, na Embaixada, um interessado grupo assistiu a uma palestra feita, a meu convite, pelo Professor Carlos Henriques Pereira, investigador na Sorbonne, onde, no contexto da apresentação do seu livro "Parler aux chevaux autrement - aproche semiotique de l'équitation", deu conta de aspetos diversos da arte de comunicar com os cavalos.

A palestra foi complementada por uma exposição fotográfica de "dressage" de cavalos portugueses. Leia mais aqui.

Frio

Deve ter sido um efeito subliminar do PEC...

Na semana passada, animado com o sol primaveril que parecia estar para ficar, mandei desligar o aquecimento geral desta imensa Embaixada, cuja fatura pesa bastante no nosso orçamento. Bem me avisaram que, no ano anterior, isso só fora feito um mês mais tarde. 

Nem dois dias eram volvidos e o frio regressou a Paris. Ligar de novo o aquecimento é um operação cara, com efeitos a prazo, isto é, lá para o fim-de-semana, em que até pode fazer sol. Por ora, tenho os funcionários a tiritar pelos escritórios. A começar pelo próprio embaixador, claro.

Saber prever é uma das qualidades diplomáticas mais requeridas, mas, como é dos livros, há capacidades que se vão perdendo com o tempo.... quente!

Grécia

Alguns títulos da imprensa portuguesa, na abordagem que fazem da questão do empréstimo dos países europeus à Grécia, são reveladores de uma imensa má-fé, tacanhez de espírito e da ausência de um sentido mínimo do que esse ato representa para o equilíbrio europeu - de que Portugal é o primeiro interessado. Nisso se distinguem, pela negativa, da generalidade da imprensa francesa, onde, por todo o lado, se vê algum cuidado em explicar o que o empréstimo significa e se detalham as razões da taxa escolhida. Porque parece quererem tomar-nos a todos por parvos, alguns dos nossos jornais procuram ainda uma deliberada - e populista - confusão entre o que é um empréstimo com garantias e que (não) é um dispêndio público.

No final de contas, isto quase acaba por ser mais triste do que desesperante.

segunda-feira, maio 03, 2010

Pina Martins (1920-2010)

Como aqui se tem referido, o Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, é, desde 1965, uma das "caras" mais importantes de Portugal na capital francesa. Pela sua direção têm passado figuras ilustres da nossa cultura.

Dei-me agora conta que, há dias, desapareceu o professor José Pina Martins, que durante mais de uma década (1972-1983) dirigiu aquele centro. Pina Martins, que também presidiu à Academia das Ciências de Lisboa e foi professor catedrático da Universidade de Lisboa, era um reputado especialista no período do Renascimento, com uma vasta obra publicada, em Portugal e no estrangeiro.

Há pouco mais de um ano, descobri, quase por acaso, o seu curioso "Histórias de Livros para a História do Livro", uma peregrinação erudita por livros (e não apenas por textos) que o marcaram e sinalizaram a sua vida intelectual.

Agências de notação

"Quando a ‘Standard & Poor’s’ notifica a degradação da nota de um Estado 15 minutos antes do fecho dos mercados isso é incitação ao crime. É a garantia de que todos os que têm títulos se vão desfazer deles, sem ter tempo de refletir, para não serem apanhados pela hora de fecho. Vou aproveitar a diretiva europeia sobre as agências de notação, que entra em vigor a 7 de Junho, para pedir à Autoridade dos Mercados Financeiros para assegurar a sua vigilância, examinar as condições em que elas funcionam, exigir que elas notifiquem e façam validar o seu modelo, demonstrem a maneira como respeitam as regras de conflitos de interesse, separação de atividades, a maneira como distinguem entre as cotações de riscos privados e riscos públicos. As agências de notação devem obedecer a códigos de conduta que sejam operacionais.”

Declaração da ministra francesa da Economia, Christine Lagarde, ao "Le Monde", hoje

Ideia

domingo, maio 02, 2010

Da cunha

Este não é um post consensual, desculpem lá!

Li há pouco no "Expresso online" (não sei se saiu na edição impressa) um artigo sobre essa instituição nacional que é a cunha, onde também se recupera um livro publicado sobre o tema.

Sou de opinião - e sei que muitos não concordarão - que a cunha é um dos símbolos que espelha o nosso subdesenvolvimento, um imenso atestado de menoridade nacional. É inevitável? Talvez seja, no país atual. Em Portugal, "mete-se uma cunha" com a maior naturalidade, porque quem a pede nem sequer receia ofender quem a recebe. A justificação é "latina": "se eu não meter uma cunha, como é que consigo ser atendido no hospital?". E, às vezes, até é verdade. Mas, se fôssemos um país sério, deveríamos viver permanentemente com a culpabilidade e a tristeza de sermos um país de cunhas. E não vivemos.

A cunha é o produto da pobreza da nossa sociedade, da inexistência de condições de igualdade para todos, da prevalência de um suposto conceito de solidariedade coletiva que absolve moralmente os "empenhos". Porque tem vários níveis, a cunha - no Brasil, chama-se "pistolão" - vai desde a inofensiva sugestão de um nome para um lugar de livre escolha até à pressão para a falsificação de um concurso para um fornecimento público, passando pela "apresentação" de pessoas e outros métodos mais ou menos inocentes. É que há cunhas e cunhas: conseguir, por um conhecido, um lugar num espetáculo é bastante diferente de uma corrupção com consequências patrimoniais ou profisionais. Porque as fronteiras entre diferentes escalões estão às vezes longe de definidas, e porque a reprovação social do ato frequentemente não acompanha a sua gravidade, em função do nível ético das pessoas envolvidas, a cunha progride sem pudor, da sugestão simpática à corrupção aberta.

Tenho duas experiências sobre cunhas que gostaria de partilhar.

Há uns anos, fiz parte de um júri de um concurso público de admissão a uma função. Antes que alguém o fizesse, avisei à partida, amigos e conhecidos: "quem me meter uma cunha por alguém, já sabe: essa pessoa, chumba!" Foi uma reação claramente desproporcionada, mas foi remédio santo! Creio que alguns leitores desde blogue recordar-se-ão ainda disso...

A segunda experiência, também com alguns anos, foi muito traumática: um pessoa que me era muito próxima pediu que "metesse uma cunha" num concurso público, cujos membros do júri eu conhecia muito bem, para o qual havia sete vagas e 10 concorrentes. O candidato tinha distantes relações familiares comigo. Recusei, claro. Tempos mais tarde, a mesma pessoa pediu-me que soubesse, apenas, se o candidato tinha sido ou não aprovado, porque os resultados já estariam decididos, embora não divulgados, e  lhe tinha surgido uma outra opção alternativa profissional, que não sabia se devia ou não aceitar. Acedi, falei ao presidente do juri e recebi a seguinte resposta: "Estavas interessado em que ele entrasse? Foi pena que não me dissesses nada! Ele até nem era nada mau, mas era o único que não tinha nenhuma cunha..." 

Devo confessar, contudo, que nem sempre a ocorrência de uma cunha é uma coisa necessariamente má: pertenço a uma corporação profissional onde a história de uma bem elaborada cunha - denunciada, mas por uma vez ineficaz e que a opinião pública portuguesa teima saudavelmente em não esquecer - nos livrou a todos de uma "praga". É que, afinal, ainda há cunhas que vêm por bem...

sábado, maio 01, 2010

"1º de Maio vermelho"

Hoje, vistas as coisas à distância, tudo nos parece ridículo, mas, há 36 anos, a ameaça feita pelo MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado) de fazer um "1º de maio vermelho", com alguma possível violência à mistura, assustou o Movimento das Forças Armadas (MFA). Alvo crescente da repressão policial, o MRPP fora já responsável, nos meses antes de Abril, por algumas ações de rua, dedicadas à luta contra a guerra colonial, com confrontos relativamente fortes.

O anúncio dessa movimentação no Dia do Trabalhador havia sido feito ainda antes do 25 de Abril, mas todos estávamos conscientes que os "eme-erres" haviam interpretado o golpe militar como um mero rearranjo de "forças da burguesia", sem qualquer impacto nos "interesses profundos das classes trabalhadoras". E o facto de insistirem em organizar uma forte movimentação no dia 1 de Maio, não obstante ter entretanto ocorrido o movimento democrático do 25 de Abril, não sossegava alguns militares.

Não cabe aqui, por ora, fazer o historial do MRPP, um grupo criado em 1970 e com uma génese diferente da dos restantes movimentos que, em Portugal, se reclamavam do maoísmo. Muito ativo no meio académico, com particular expressão em Lisboa, dispunha de uma simpatia clara em sectores da imprensa, bem como em algumas estruturas sindicais de serviços. Conhecido por um grafismo colorido, que se espalhava por folhetos, jornais clandestinos e por muitas paredes, o MRPP era, visivelmente, a principal força política que não saudara a Revolução.

A circunstância de ter o Partido Comunista Português como um alvo prioritário da sua ação, antes e após o 25 de abril, levaria algumas forças bem mais conservadoras a ver o MRPP com alguma simpatia tática, que ficou bem patente nos primeiros anos da Revolução de Abril. A posterior evolução política de alguns antigos membros do MRPP viria a provar que essa aliança tinha também algo de potencialmente estratégico. Para simplificar, e citando a análise da minha amiga Diana Andringa, ela própria ex-MRPP, há a perceção de que a grande maioria de quantos eram seus militantes antes do 25 de Abril acabou "à esquerda" na vida política portuguesa; os que aderiram após o 25 de Abril, muito marcados que foram pelo combate ao PCP, tenderam maioritariamente a fazer uma opção mais conservadora. Esta conclusão pode não ser uma verdade absoluta, mas é capaz de ser a base para uma boa leitura.

Mas voltemos ao 1º de Maio de 1974. O ambiente de confiança que o 25 de abril criara no país poderia ser afetado, na perspetiva de alguns dos militares por ele responsáveis, se acaso o MRPP viesse a promover algumas ações violentas. A confiança pública na Revolução e a própria estabilidade que o país pretendia projetar externamente poderiam ficar em causa se viessem a ocorrer incidentes graves. Que fazer, então? Talvez  seja difícil de acreditar nos dias de hoje - depois do que efetivamente se passou em Portugal, no dia 1º de maio de 1974 - mas uma ideia inicial, que chegou a ser pensada em meios militares, foi tentar encontrar uma maneira de evitar que os portugueses saíssem de casa nesse dia... 

Com o objetivo de tentar discutir a utilização da RTP com esse objetivo, o MFA convocou uma reunião para a Escola Prática de Administração Militar (EPAM), no dia 27 de Abril. Nela reuniu um impressionante grupo de intelectuais, num "brainstorming" chefiado pelo capitão Teófilo Bento, com António Reis e eu próprio a acolitá-lo. Pela sala espalhavam-se figuras como Luis de Sttau Monteiro, Mário Castrim, Luis Francisco Rebelo, Álvaro Guerra, Manuel Jorge Veloso, Manuel Ferreira, Adelino Gomes, Orlando da Costa e creio que duas ou três dezenas mais de figuras cimeiras da nossa vida cultural e jornalística. O debate foi longo, as propostas choveram sobre o modo como a televisão podia vir a ser utilizada para "trabalhar" os primeiros tempos da Revolução. Porém, a ideia de a tornar um instrumento para evitar a saída às ruas no 1º de maio foi, ao que me lembro, rapidamente abandonada. Era, de facto, uma mera questão de bom senso...

Para a história, convém apenas notar: o MRPP lá comemorou, a partir do Rossio, o seu "1º de maio vermelho". Com muitos slogans e sem violência. E o 1º de maio de 1974 acabou, para todo o Portugal, por ser uma coisa bem diferente, como todos recordam.

quinta-feira, abril 29, 2010

Aristides Sousa Mendes

O exemplo de Aristides Sousa Mendes, o diplomata português que salvou milhares de refugiados ao tempo em que era Cônsul em Bordéus (a imagem é das intalações consulares portugueses), foi ontem evocado numa muito concorrida sessão que organizámos na Embaixada em Paris, com uma exposição documental e bibliográfica e a apresentação de três novos livros sobre o diplomata. 

Um neto de Aristides Sousa Mendes, Geraldo Mendes, o escritor Eric Lebreton e Manuel Dias - figura que, desde há anos, desenvolve um relevante trabalho de memória em torno do antigo Cônsul português em Bordéus - intervieram perante um público atento e interessado.

Pela minha parte, aproveitei para falar um pouco sobre o meu "colega" Aristides Sousa Mendes, do modo como as Necessidades o viam no passado, bem como da forma como hoje é visto naquela casa. E também referi a imensa solidão que deverá ter sentido um homem no seio de um regime que abertamente até então apoiava (coisa de que muito poucos falam) e contra cujas ordens sentiu, a certa altura, o dever de se rebelar por um muito estimável sobressalto ético. 

Falei igualmente de um tema que outros procuram esquecer, crendo-se absolvidos por atitudes de tempos mais recentes: da oposição ao Estado Novo, que nunca teve uma palavra de apoio para com o diplomata ostracizado pela proteção dada aos refugiados que fugiam da barbárie nazi. Para concluir que Artistides Sousa Mendes não é uma personalidade ideológica, "propriedade" da esquerda ou da direita, mas apenas um homem simples que, revoltado e emocionado pela tragédia, colocou a dignidade à frente do dever formal de obediência a uma ordem injusta.

Aproveitei a ocasião para saudar duas personalidades, por quem tenho admiração e amizade, e que, tal como Manuel Dias, têm vindo a desenvolver, no estrangeiro, um louvável, generoso e dedicado trabalho de realce da figura de Aristides Sousa Mendes: João Crisóstomo, nos Estados Unidos, e Paulo Martins, no Brasil. É muito graças a pessoas como eles que a memória de Sousa Mendes se mantém viva e exemplar para as novas gerações. Em especial para os nossos diplomatas.

"La Lettre Diplomatique"

São 44 páginas com textos, gráficos e imagens sobre Portugal, incluindo entrevistas, testemunhos e artigos que cobrem realidades políticas, económicas e culturais muito diversas, sob o título conjunto significativo: "Un engagement sur tous les fronts".

Esse é o conteúdo de um dossiê que pode ser encontrado na edição do 1º trimestre de 2010 de "La Lettre Diplomatique", que acaba de sair, uma publicação independente que organizou este número em colaboração com a Embaixada de Portugal em Paris.

Logo que o texto estiver "on line", será colocado um "link" no blogue.

MES

Tenho a sensação de que nunca soubemos muito bem quantos éramos. Não me recordo de ter tido um cartão partidário. A nossa disciplina política tinha por referentes o entusiasmo e o voluntarismo.

O MES, o Movimento de Esquerda Socialista, como o Paulo Bárcia e o António Silva titulam bem neste livro que hoje é publicado em Lisboa, foi uma "improvável aventura" num tempo intenso de esperança. 

Tenho imensa pena de não poder estar hoje em Lisboa, com alguns amigos de sempre. Como alguém disse um dia, "je ne renie pas mes heritages" e o MES faz parte integrante delas. A forma saudável como hoje olhamos essa generosa aventura é a prova clara de que, no passado, o futuro era melhor.

Em tempo: entrei no MES pela mão do António Alves Martins, o nosso MFB (militante de fato branco...). Por onde quer que ele ande, deixo-lhe aqui um forte, solidário e muito saudoso abraço. 

Ainda em tempo: aqui fica esta útil ligação:

Debate

Aceitei ontem um convite para debater, durante quase meia hora, num programa de rádio francês de grande audiência, com o "Chief European Economist" da empresa de notação "Standard & Poor's", Jean-Michel Six. A agência foi responsável pelo abaixamento da "nota" de Portugal que provocou uma especulação desfavorável ao nosso país nos mercados internacionais.

Com urbanidade mas também com o necessário vigor, procurei expor, ao longo da emissão, alguns dos argumentos, nomeadamente de natureza quantitativa, que nos levam a considerar ter havido um menor cuidado na necessária distinção entre as situações portuguesa e grega. Destaquei também as severas medidas que Portugal tem em curso de execução com vista ao saneamento das suas contas públicas.

Pela parte da "Standard & Poor's", foi dada muita importância à dimensão da dívida privada portuguesa - embora reconhecendo as medidas tomadas face à dívida pública - e ao facto da agência entender que a respetiva dimensão pode condicionar o êxito da nossa futura recuperação. De qualquer forma, Jean-Michel Six disse que há uma grande diferença no modo como a sua empresa analia os casos português e grego. Deixou claro que,  para a "Standard & Poor's", Portugal continua "confortavelmente colocado na zona de 'investment grade'".

Um dos pontos sublinhado, com grande insistência, pelo coordenador da emissão ligou-se ao anunciado entendimento entre as principais forças políticas portuguesas em face da presente situação. Este ponto parece estar a ser lido como um forte sinal da determinação portuguesa de fazer face à presente crise.

Ouça aqui um ponto do debate.

Os amigos e as ocasiões

A imprensa francesa tem-se feito eco dos mais recentes ataques especulativos contra Portugal e não deixa de assinalar duas evidências: a radical diferença entre a situação portuguesa e a grega e, em alguns casos, o facto dos nossos índices não estarem muito distantes dos da França.

Ninguém tinha dúvidas de que, se a situação grega evoluísse de forma negativa, Portugal seria o próximo ‘target' dos especuladores. Alguns talvez não contassem com um grau tão acentuado de indiferença por parte da Alemanha - o grande beneficiário do mercado interno e o país que sustenta o seu poder europeu à custa do euro, cujas drásticas condições macro-económicas impôs e que hoje são o referente pelo qual são medidos os desvios nacionais. Será que a Europa existe mesmo?

As agências de ‘rating' repercutem a perplexidade colectiva perante a hesitação e falta de solidariedade germânica. A perversidade está no facto de, ao tomarem decisões de ‘upgrading' de risco, agravarem ainda mais a situação, conduzindo os mercados a cobrarem mais pelos empréstimos. O seu lamentável impressionismo na avaliação relativa das situações nacionais confirma-as como os melhores cúmplices dos piores especuladores internacionais. Alguma novidade? 

* artigo hoje publicado no jornal "Diário Económico"

quarta-feira, abril 28, 2010

Igreja

A assistência religiosa católica é uma atividade muito apreciada pela comunidade portuguesa em França, também pelas dimensões de natureza social que estão associadas à sua ação. Por todo o país, sacerdotes portugueses, franceses e de várias outras nacionalidades - muito em especial, de países lusófonos - prestam regulares e relevantes serviços aos nossos cidadãos.

Hoje, convidei para almoçar cerca de duas dezenas desses religiosos, que operam na região de Paris, com os quais procurei estruturar uma "rede" de interação que possa resultar de forma positiva para a nossa comunidade. A grande maioria desses sacerdotes não se conhecia sequer entre si.

No plano imediato, ficou criado um conjunto de ligações pessoais no sentido de promover uma mobilização para uma missa a ter lugar na catedral de Notre Dame de Paris, no dia 12 de Junho, pelas 18.30 horas. O objetivo é aí congregar setores da nossa comunidade católica da zona de Paris, numa grande festa portuguesa próxima da nossa data nacional.

Morais

Neste ano que foi triste para o Sporting, soube-se hoje da morte de João Morais, o autor do célebre golo por canto direto que conduziu o clube à vitória na Taça das Taças, em 1963/64.

Atacante ao tempo dessa vitória, João Morais viria a recuar para lugares mais defensivos, tendo, nessa posição, participado na seleção nacional portuguesa que obteve o 3º lugar no mundial de 1966. O modo agressivo como marcou Pelé no jogo em que Portugal derrotou o Brasil por 3-1 não ficou na história do nosso futebol como a nossa "finest hour", em termos de bom comportamento desportivo. Senti-me na obrigação de dizer isso mesmo ao próprio Pelé, quando o conheci no Brasil. Morais era, contudo, um jogador com grande garra e dedicação, pelo que merece o nosso respeito.

Deixo aqui o video do golo e o som da canção com que "o cantinho do Morais" ficou para sempre na memória afetiva do Sporting Clube de Portugal.

Em tempo: hoje à noite, uma compatriota sportinguista surpreendeu-me ao lembrar que foi pela mão do Sporting, através de Carlos Lopes, em 1984, que o hino nacional português foi pela primeira vez ouvido nuns Jogos Olímpicos.

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...