segunda-feira, março 14, 2011

Outro lado

Recebi hoje um colega europeu, recém-chegado a Paris. Trocámos impressões sobre o estado da Europa e, naturalmente, veio à baila da conversa a situação político-económica de Portugal, tendo-me ele perguntado sobre o modo como haviam corrido as manifestações do passado sábado, anunciadas na imprensa internacional.

Devo dizer que não foi sem orgulho que lhe descrevi o ambiente de grande civismo que marcou, sem exceção, todos esses eventos, o que é tanto mais de sublinhar quanto eles tiveram uma excecional dimensão e decorreram sob uma agenda coletiva de fortes preocupações.

Acabou por ser o meu colega, e não eu, a comparar esse ambiente com os confrontos públicos, alguns de grande violência, a que se assistiu em quase todos os países afectados por pacotes de medidas de austeridade.

Este é outro lado de Portugal.

Lampedusa

Nas últimas semanas, o debate político interno francês tem estado centrado nos sinais dados por algumas sondagens que colocam Marine Le Pen, líder do "Front National", um grupo político ultra-conservador, como o candidato com maior apoio potencial, na perspetiva das eleições presidenciais de 2012. 

Vale a pena recordar que, em 2002, o pai da atual lider, Jean Marie Le Pen, teve a segunda maior votação na 1ª volta das eleições presidenciais, atrás de Jacques Chirac, deixando para trás o candidato socialista. A França não esqueceu ainda esse "terramoto" político, pelo que ele não deixa de estar presente na memória coletiva, no caminho para 2012.

O "Front National" tem uma agenda política centrada nas questões de segurança, imigração e discussão das temáticas da interculturalidade em França, mas igualmente numa rejeição do euro e na defesa de fortes medidas protecionistas. A nova líder do partido apresenta, contudo, uma imagem menos radical que o seu pai, o que, segundo alguns observadores, estará na origem da sua maior popularidade e do aparente crescimento na aceitação pública do seu partido, a qual será testada nas eleições cantonais dentro de uma semana.

Hoje, Marine Le Pen desloca-se à ilha italiana de Lampedusa, local de desembarque prioritário das vagas de migrantes africanos, onde abordará essa mesma temática.

Confesso que, ao ouvir falar de Lampedusa e ao observar a evolução recente da imagem do "Front National", não pude deixar de me lembrar da clássica frase posta na boca de Falconeri, no romance "O Leopardo", de Giuseppe Tomasi de Lampedusa: "Se queremos que as coisas permaneçam como estão, as coisas têm de mudar" ("Se tutto deve rimanere com'è, è necessario che tutto cambi").

domingo, março 13, 2011

Opções

De há uns anos para cá, à medida que me dei conta da real complexidade de algumas questões, fui deixando de ter uma opinião firme, "de café", sobre certas temáticas que dividem o país.

Por exemplo, não faço a mais leve ideia se Lisboa precisa ou não de um novo aeroporto e, em caso positivo, se ele deve ir para a Ota ou para Alcochete. Também não tenho opinião sobre a necessidade de uma nova ponte sobre o Tejo, como também a não tenho sobre o TGV, dado que já vi argumentos definitivamente convincentes sobre teses diametralmente opostas, quer em relação à iniciativa em si, quer quanto aos cenários de construção possíveis. E eu sei lá se, em matéria de policiamento, deve haver super-esquadras ou unidades de proximidade! E será que os centros de saúde devem fechar à noite ou não?

Alguns conhecidos, ao verem-me "fugir" deste debates polarizados, devem achar que estou a fazer um "número" e que, lá no fundo, o que eu quero é reservar a minha opinião, na busca de me manter consensual e não polémico. Enganam-se redondamente e só provam que não me conhecem bem.

Com toda a sinceridade, devo dizer que ganhei este estado de progressivo "agnosticismo", sobre um número cada vez maior de temáticas "fraturantes", quando passei pelo governo do país e aí percebi que as grandes questões, sobre as quais todos somos chamados diariamente a ter uma opinião "impressionista", têm, na realidade, uma elevada complexidade, muito superior àquela que o simples tratamento mediático permite acompanhar. Foi isso, e nada mais, que me foi conduzindo a uma cada vez maior humildade opinativa. Mas que fique bem claro que não pretendo que esta minha atitude seja a correta. Cada um que pense por si.

Porém, devo dizer que muito me surpreendo que haja alguns "génios" que, nas colunas ou nos écrans, falam de tudo com ar de cátedra, do trânsito ao futebol, do défice à literatura, do ambiente à fiscalidade. Feliz pátria que tais filhos tem! E crédulo país que ainda os ouve.

Vem isto hoje a propósito do Japão, do maremoto e, por via dele, da energia nuclear. A chamada opção nuclear é já um tema vetusto em Portugal. Há anos que se discute se devemos, ou não, construir centrais nucleares. O debate já teve dimensões de radicalidade político-ecológica que o tornaram quase tabu, para, depois de isso, e por "luas" de opinião, voltar a reaparecer, com maior serenidade. Já ouvi a voz ponderada de um técnico competentíssimo, como Nuno Ribeiro da Silva, explicar que a relação custo/benefício dessa opção, para um país como o nosso, é profundamente errada. Há semanas, jantei em Paris com o empresário de sucesso Patrick Monteiro de Barros, que, com números e argumentos fortes, garante exatamente o contrário. 

Em que ficamos? Melhor, onde fico eu? Em nenhuma parte, devo confessar. Se a tragédia conjuntural do Japão me leva a aumentar as dúvidas sobre a opção nuclear em Portugal, país de onde não estão afastados riscos muito sérios em matéria sísmica, bem como a total ausência de respostas credíveis para o futuro dos dejetos, a verdade é que nós já temos uma forte ameaça nuclear, com as centrais espanholas aqui ao lado, com as eventuais radiações num desastre a não respeitarem fronteiras. E se o petróleo for por aí acima em matéria de custos? E se as energias renováveis se confirmarem limitadas na sua produção? E se o custo de exploração delas (eólica, fotovoltáica, maremotriz) se provar economicamente irracional? Se os riscos já existem aqui ao lado, e não podem ser evitados, porque não optar por ter essa energia? Mas, por outro lado, não há um limite claro na contribuição possível da produção nuclear para o nosso consumo total, que, aliás, tem custos de investimento muito elevados? E como superar o debate que iria levantar-se sobre a localização das centrais, ao lado do qual o caso da co-incineração iria parecer uma brincadeira de crianças? É que, num país com a nossa dimensão, o chamado efeito NIMBY ("not in my backyard") tem um peso ainda mais importante.

Mas, afinal, sou ou não a favor do nuclear em Portugal? Sei lá! Uma vez mais, não tenho opção.

Não deixa de ser angustiante, mas ao mesmo tempo dá-me um grande sossego, pensar que, cada vez mais, só falo daquilo de que julgo saber alguma coisa. O resto, deixo para os sábios figurantes do "Prós e Contras".

sábado, março 12, 2011

Telefonema


Foi nos anos 70. Estava sozinho na minha sala de trabalho, no MNE. Os restantes colegas haviam já saído para o almoço.

O telefone tocou. A voz masculina era de alguém jovem. O tom era algo agreste, sem vontade de expressar um mínimo de cortesia. O pedido feito era relativamente simples de satisfazer: fornecer o número de telefone de casa de um determinado embaixador português, no estrangeiro.

Estranhei o facto de a pessoa ter ligado exatamente para o serviço onde eu estava colocado, embora nós nos ocupássemos das relações económicas com a área regional onde a embaixada se situava. Porém, as telefonistas ou o serviço de pessoal do MNE seriam as entidades mais indicadas para dar aquela informação. Referi isso ao meu interlocutor, até porque não estava a apreciar a forma pouco delicada como ele se me dirigia, mas igualmente porque os números de telefone das residências dos embaixadores não eram públicos, pelo que a regra era não serem indicados, salvo em circunstâncias justificadas.

- Sou filho do embaixador. Ou você me quer dar o número do telefone ou não quer!

Voltei a não apreciar o tom mas, porque conhecia o pai, um homem amável e muito cordial, fui procurar o número. Ditei-o, o filho do embaixador repetiu-o e desligou o telefone, sem agradecer. Imagino que terei ficado furioso, mas logo esqueci o assunto.

No dia seguinte, à conversa com colegas, um deles disse-me:

- Já sabes do filho do embaixador "fulano"? Suicidou-se, ontem.

- A que horas? - perguntei, para legítimo espanto de todos, intrigados com a minha especiosa curiosidade.

- Parece que foi a meio da tarde.

Desde esse dia, procuro recordar a voz desse rapaz, que vivia sozinho em Portugal. Devo ter sido das últimas pessoas com quem ele falou. Terá chegado a contactar o pai? Nunca tive coragem de lhe perguntar e agora é tarde, porque também ele já desapareceu há muito, aliás de uma forma com o seu quê de trágico.

A condição diplomática introduz, às vezes, fortes tensões nas famílias, fruto de separações a que obriga, dos isolamentos que provoca e dos desequilíbrios que potencia. A instável vida dos diplomatas está longe de ser o mar de rosas que alguns, de fora, mitificam.

Juventude preocupada

Um grupo de cerca de trinta jovens portugueses levou hoje a cabo uma manifestação, em frente à nossa Embaixada em Paris.

Fui falar com os manifestantes, por forma a saber, de viva voz, o que tinham para nos transmitir. As principais ideias que me foram expressas centraram-se, como era de esperar, na precariedade laboral que se vive em Portugal, em contraste com a situação que encontram em França, bem como a recusa em ter de aceitar que a emigração possa ser a única forma de resolver os problemas da sua vida, para além de outras questões que se prendem com os desequilíbrios existentes na sociedade portuguesa contemporânea.

Foram momentos de diálogo sereno e construtivo, em que, do meu lado, colhi um conjunto de legítimas preocupações, que vou transmitir em maior detalhe a quem pode avaliar soluções capazes de lhes dar uma resposta.

Diplomacia democrática

É nestes tempos em que o nome de Portugal e da situação político-económica portuguesa anda nas bocas do mundo que será talvez oportuno recordar as obrigações de uma diplomacia democrática.

Tenho para mim que uma das menos edificantes e mais indignas atitudes que um diplomata pode assumir, perante interlocutores estrangeiros, é enveredar pela crítica às autoridades do país que representa. Mas, devo dizer, torna-se igualmente triste ouvi-los criticar, em público, as forças da oposição que, com toda a legitimidade democrática, são adversários dos poderes instituídos.

Ambas as atitudes relevam, pura e simplesmente, de uma grave falta de sentido profissional. O interlocutor estrangeiro respeita o diplomata que, independentemente das suas ideias pessoais, sabe assumir uma atitude equilibrada na análise da situação política interna existente no seu país, que é capaz de expor, com rigor, equilíbrio e equanimidade, os sucessos ou insucessos do Estado que lhe cabe representar, que defende com empenhamento os interesses deste mas não camufla conflitualidades ou dificuldades existentes no seu mundo político interno, que não edulcora, ao absurdo, o que de negativo possa existir na sociedade que lhe cabe representar.

Já me confrontei, no meu percurso profissional, com colegas estrangeiros de todo o tipo. Convivi com os cegos militantes, para quem os respetivos dirigentes são o máximo existente à face da terra, os quais, no seu parecer sectário, são obrigados a sofrer os custos de uma oposição cuja ação quase ilegitimam, apenas porque esta não cai no seu goto pessoal. Conheci os mal-dizentes crónicos, que remoem em público, dia-após-dia, críticas ou ironias, quando as autoridades eleitas não são da sua cor política, acusando-as de todos os malefícios pátrios, suspirando por uma reviravolta que ponha os do "outro lado" no poder. Num registo mais corporativo, dei às vezes de caras com aqueles que acham que a política externa do seu país é apenas um lamentável desastre, que estão condenados a representar "malgré eux", atitude muitas vezes mobilizada por ódios acumulados ou por queixas profissionais.

Assisti a muitas conversas com todo este tipo de gente e - garanto! -  sempre pude observar a pena que a sua atitude provoca nos interlocutores, em especial em colegas de países onde a diplomacia democrática se pratica e se vive, com naturalidade e sentido de Estado. Onde esses colegas procuram exibir, de forma  mais ou menos espalhafatosa, o que pretendem ser uma hiperfranqueza crítica - face a instituições, forças políticas ou figuras do quadro democrático do seu país -, os estrangeiros que os ouvem apenas nisso vêm deslealdade e ausência de um espírito profissional. Às vezes sorriem, mas, por detrás desse sorriso, está sempre um esgar de desprezo.

A diplomacia democrática é o estado supremo do profissionalismo em matéria de representação externa. Vale a pena recordar isto, nos dias que correm.

"Latitudes"

Chama-se "Latitudes - cahiers lusophones" uma revista editada em França, que vai quase em 40 números editados, com um notável trabalho na difusão das culturas que se expressam em língua portuguesa.

Iniciativas como estas, desinteressadas e empenhadas, terão sempre da minha parte todo o apoio que for possível garantir, não obstante os tempos financeiros difíceis que atravessamos. Ontem, com dois dos seus responsáveis, estive a gizar algumas iniciativas que permitam à Embaixada apoiar o seu trabalho futuro.

sexta-feira, março 11, 2011

O assalto

Os adidos de embaixada, categoria que os ingressados na carreira diplomática têm durante os primeiros dois anos de serviço, frequentam, por alguns meses, um curso profissional, em que são docentes diplomatas mais velhos, em serviço ou fora dele, promovido pelo Instituto Diplomático do nosso ministério.

Aqui há uns anos, os novos adidos assistiam a uma palestra de um velho embaixador, homem bem falante, bom contador das coisas da vida, que ilustrava as suas décadas de trabalho com o relato de episódios que entendia exemplares e dignos de nota. Os adidos ouviam com atenção e apreço o seu discurso ameno, seduzidos pela coreografia verbal com que o velho diplomata envolvia as suas experiências pelo mundo, tidas como dignas de registo, para adubar a inexperiência dos auditores. Era um mundo de pequenas aventuras, com cenários muito diversos daqueles que a sua vida lhes proporcionara. Embora os tempos fossem naturalmente outros, não deixava de ser interessante ter acesso àquelas histórias, cujo somatório acaba por tecer a nossa cultura corporativa comum.

Naquele dia, o diplomata relatava um episódio passado na residência que, em tempos idos, ocupara numa capital africana, quando aí era encarregado de negócios, nos anos 60. Explicava ele que se tratava de edifício isolado, com escassa segurança, na periferia da capital, rodeado de um amplo jardim,. Os riscos não eram muito elevados, porque a criminalidade local era então escassa, mas, apesar disso, já por mais de uma vez, houvera indícios de que a casa fora rondada por potenciais assaltantes.

Uma madrugada - contava ele - ouviu, distintamente, ruídos provindos do outro lado da casa, onde habitava sozinho. Pôs-se à escuta e percebeu uma sussurada conversa, no exterior do prédio, entre pessoas que, claramente, estavam já a tentar forçar uma porta ou uma janela. 

A situação revelava-se complexa. Os empregados viviam noutro edifício, mais distante, e, claramente, não tinham ouvido chegar os assaltantes. Embora houvesse quem, em tempos, lhe tivesse recomendado que comprasse uma arma, o bom-senso do diplomata levara-o a não ir por esse perigoso caminho. Naquele instante, porém, perguntava-se sobre que opção tomar.

O relato tinha foros quase fílmicos. Os adidos olhavam, atentos, para o velho embaixador, que, para ilustrar a história, vagueava pela sala, frente a eles, de gesto largo e fácies grave. A certo passo, estacou e inquiriu: "Alguém tem uma ideia do que eu fiz, na ocasião?". Fez-se um silêncio, apenas entrecortado por uns declinantes murmúrios, com opções de ação tão pouco ousadas ou imaginativas que não chegaram a ser formuladas em voz alta.

É, nesse instante, que, com um sorriso, o embaixador revelou a sua "defesa":

- Caros colegas, é muito fácil. Fui à casa de banho!

A sala estacou de espanto. À casa de banho?! Para quê?

- Meus amigos. É elementar! Puxei a autoclismo. Em África, no silêncio profundo da selva, o fragor de um autoclismo a descarregar tem a força explosiva do tiro de um canhão!

A sala escangalhou-se em gargalhadas e a história passou a fazer parte dos anais divertidos da nossa casa.

Notícias

Há um fenómeno curioso na comunicação social: a crise política na Costa do Marfim ficou "escondida" pelas sublevações na Tunísia e no Egipto, logo seguidas da revolta na Líbia. Agora, é esta última situação que é obnubilada pelo sismo no Japão. O que será que nos fará esquecer o Japão?

Gastronomia portuguesa

Foi há já quase quatro décadas que visitei, pela primeira vez, o restaurante viseense "O Cortiço", onde, à época, proponderava a figura jovial e acolhedora de "dom" Zeferino, entretando desaparecido. Depois disso, sem regularidade mas sempre com muito gosto, passo, às vezes, por lá.

Hoje, vim encontrar essa excelente cozinha beirã na inauguração da semana gastronómica que a Rádio Alfa, em Créteil, nos arredores de Paris, organiza desde há sete anos, e à qual traz expoentes da restauração nacional.

Esta iniciativa do comendador Armando Lopes, uma personalidade central da comunidade portuguesa em França, onde chegou fará este ano meio século, constitui uma inestimável colaboração para a divulgação da boa culinária portuguesa neste país.

quinta-feira, março 10, 2011

George Soros

George Soros é uma curiosa personalidade do mundo da finança internacional. Especulador e milionário americano, nascido na Hungria, é, simultaneamente, uma figura que reflete com profundidade sobre o mundo político-económico. Tem sido objeto de muitas críticas, pelo caráter das suas atividades financeiras, que lhe valeram já algumas acusações judiciais. No seu lado de filantropo cívico, desempenhou, nos anos 90, um interessante papel, através da organização "Open Society Institute", no apoio às forças democráticas dos países do centro e leste europeus.

Há muito que o leio e já foram algumas as vezes em que o ouvi - de Nova Iorque a Estrasburgo, de Londres a Genève. Tal como ontem aconteceu, ao final da tarde, numa organização da Fundação Calouste Gulbenkian, aqui em Paris, onde manteve um interessante debate com um destacado empresário francês, Henri de Castries, presidente da seguradora AXA.

As regras de assistência a este tipo de debates impedem que se cite o que neles é dito, embora possa ser adiantado que Soros, pelas ideias que defende, está muito longe de ser um liberal fundamentalista, podendo mesmo classificar-se, sem dificuldade, numa linha neo-keynesiana. Filosoficamente, afirma-se um seguidor de Karl Popper, o que, conhecidas as vantagens que o mercado lhe traz, talvez justifique o "labéu" liberal que carrega.

O único "leak" que é possível fazer do que ontem disse, porque foi a única coisa explicitamente "on the record", foi a rejeição da acusação de ter participado no "infamous" jantar (reportado pelo "Wall Street Journal"), em Nova Iorque, em Fevereiro de 2010, que teria reunido dirigentes de "hedge funds", onde, alegadamente, teria sido discutido um ataque especulativo contra o euro, no início do agravamento da crise grega, em Fevereiro do ano passado. George Soros disse ao auditório que isso não passava de uma "urban legend", que podia garantir que, na ocasião, o tema não ocupou mais de cinco minutos de discussão e que havia um pequeno pormenor, quiçá dispiciendo: não tinha estado presente nesse jantar! Para acrescentar que essa foi mais uma "invenção" típica dos jornais de Rupert Murdoch.

Um dia de otimismo

Há dias em que o nosso otimismo com o futuro do país se acentua. Hoje foi um deles.

Ofereci um almoço ao responsável da Embraer para a Europa, baseado aqui em Paris. Porque estive ligado ao processo de negociação, iniciado em 2006, que trouxe esta empresa brasileira de construção de aviões para Portugal, mantenho um grande interesse no projeto, que prevê uma fábrica em Évora, cuja construção se concluirá no final deste ano, com equipamentos em início de produção de equipamento em Agosto de 2012, envolvendo mais de quatro centenas de postos de trabalho. Sei de outras empresas, inclusivamente francesas, que têm demonstrado o seu interesse em explorarem as possibilidades de crescimento deste "cluster" aeronáutico em Portugal.

A certo passo da conversa, disse ao responsável da Embraer que, se viesse a considerar necessário, estava à disposição para facilitar, na medida das minhas possibilidades, a resolução de qualquer problema com que a empresa se defrontasse no seu trabalho nosso país. A resposta foi muito clara: a Embraer tem vindo a ter, por parte de todas as entidades oficiais portuguesas com quem tem tido contactos, desde o início do projeto, todas as facilidades requeridas e permitidas por lei, tendo podido contar com uma disponibilidade "inexcedível e constante" por parte da AICEP e do município de Évora, numa demonstração de cooperação absolutamente modelar.

Às vezes, acontecem-nos dias assim!

Mais "duas ou três coisas"

A jornalista francesa Anne Sinclair, que foi uma figura importante do jornalismo televisivo francês, é casada com o diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn. O seu marido, conhecido na imprensa francesa pela sigla DSK, é um dos nomes mais falados como podendo vir a ser o candidato socialista às eleições presidenciais francesas, em 2012.

Sinclair alimenta, dos Estados Unidos, onde vive, um blogue, hoje cada vez mais popular. Deu-lhe o nome de "Deux ou trois choses vues de l'Amérique". Em 1997, havia escito um livro intitulado "Deux ou trois choses que je sais d'eux".

Boas escolhas "godardianas" para títulos...

quarta-feira, março 09, 2011

Padura e Trotsky

Um romance do escritor cubano Leonardo Padura, "O homem que gostava de cães", está a ter apreciável êxito em França.

Perdi a ocasião do seu lançamento em Paris e, com isso, a oportunidade de reencontrar Padura, com quem tive uma longa e interessante conversa em Havana, há quase quatro anos, num jantar proporcionado pelo meu amigo e embaixador Mário Godinho de Matos.

Padura é uma personalidade suave, com um sorriso amigável e um modo muito sereno de olhar para a realidade do seu país. Nessa conversa em 2007, demos conta que havíamos vivido em Luanda ao mesmo tempo, na primeira metade dos anos 80. O escritor fizera parte dos "cooperantes" que Cuba enviava para apoio ao regime angolano. A certo passo da noite, perguntei-lhe se, como então se especulava, esses cubanos expatriados tinham fortes incentivos económicos, bem como de apoio às famílias que deixavam para trás, como compensação pela execução da sua missão. Confirmou-me que essas atividades lhes proporcionavam, de facto, algumas vantagens mas, enfatizou, nesse tempo havia em Cuba um alargado espírito de "missão internacionalista", que mobilizava muitos dos seus compatriotas. Para acrescentar, muito realisticamente, que, nos dias que correm, esse sentimento havia desaparecido quase por completo, pelo que era praticamente impossível recrutar técnicos cubanos para ações no exterior numa base predominantemente ideológica.

Nessa bela noite de Havana, recordo bem que Padura nos falou num trabalho em que andava envolvido, em torno de documentação de Ramón Mercader, o homem que, no México, em 1940, assassinou Trotsky, às ordens de Stalin. Mercader viveu a parte final da sua vida em Havana, onde morreu, em 1978, tendo mais tarde sido sepultado, com honras soviéticas, em Moscovo.

O livro que Padura acaba de produzir centra-se na figura de Mercader. Um amigo francês, que esteve presente no lançamento da obra em Paris, que teve lugar na Casa da América Latina, dizia-me, há dias, que ele e outros acompanhantes haviam ficado siderados quando um jornalista francês ("na casa dos 40 anos", esclareceu) lhes perguntou se sabiam como se soletrava o nome de "um tal Trotsky", que Padura referira na sua intervenção. Foi pena que ninguém lhe tivesse feito notar que, na realidade, ele ouvira mal, que Padura pronunciara "Bronstein"...

De facto, o mundo já não é o que era...

Economia

A Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa, uma estrutura jovem mas que tem desempenhado um trabalho muito positivo de apoio e agregação dos empreendedores que ligam economicamente Portugal e a França, realizou hoje, na Embaixada, a sua assembleia geral anual. Desde que cheguei a Paris, entendi que abrir-lhe as nossas portas era o contributo mínimo que poderia prestar, para além do encorajamento que, ao longo do ano, procuramos manifestar ao conjunto das suas atividades.

No início da assembleia, falei aos associados do cenário económico em Portugal. Não escondi as dificuldades existentes, mas procurei sublinhar que estamos a fazer o nosso trabalho "de casa", com rigor, com transparência, com os números sobre a mesa, porque é à luz deles, e só deles, que queremos ser julgados. Não temos a tentação de esconder a crise que atravessamos atrás da crise internacional, mas recusamos que esta seja iludida no cômputo geral da situação, como às vezes pretendem alguns avaliadores de "rating". Falei das empresas, do otimismo que tenho visto da grande parte das que por aqui contacto, da contribuição que têm dado para os números excecionais que a nossa exportação tem revelado em tempos recentes. Abordei a questão da nossa banca, da leitura que sobre ela se faz internacionalmente e do modo como a sua situação se liga com as perspetivas de evolução da nossa dívida soberana. E falei também da Europa, das suas novas fragilidades, das suas hesitações e da esperança que continuamos a colocar nesse magnífico projeto em que nos continuamos a rever. No fundo, deixei claro que, para que as dificuldades se atenuem, todos temos de trabalhar em conjunto, remando para o mesmo lado.

"Ler"

A revista "Ler", por ocasião da publicação do seu nº 100, pediu a 100 pessoas que formulassem, em poucas palavras, uma ideia para o futuro.

Aqui vai a minha contribuição: 

"A internet tem-se revelado um decisivo instrumento para a comunicação aberta entre os cidadãos, um motor de difusão cultural e um insubstituível suporte para as redes de livre informação. A comunidade internacional deveria passar a qualificar o livre acesso informático como um dos novos Direitos Humanos."

"Cavalos de Tróia"

A imprensa tem-se feito amplo eco da notícia de que os ministérios das Finanças e dos Negócios Estrangeiros franceses foram atacados por "piratas" informáticos, que terão colocado nos respetivos sistemas "cavalos de Tróia", que permitem o acesso ao conteúdo das informações acumuladas, podendo mesmo gerir parcialmente esses equipamentos. O debate prossegue agora em torno de quem poderia estar interessado nessa intrusão.

Tenho uma experiência pessoal muito concreta de uma operação idêntica, de que foi objeto o meu computador, em Maio de 2003, ao tempo em que vivia em Viena. Uma voz amiga deu-me então discreto conhecimento de que informações oriundas do meu sistema informático estavam a ser "analisadas" por terceiros. Através de uma peritagem técnica, vim a apurar que um "cavalo de tróia" tinha sido introduzido num dos computadores, à distância, através de um processo de "bombing" informático, que tinha conseguido ultrapassar o "firewall". Denunciada e exposta a marosca - nomeadamente por um artigo de imprensa -, os responsáveis pela operação recolheram, precipitadamente, a sua "pidesca" operação. Como os deuses não dormem, tempos posteriores vieram a provar que "os cavalos (de Tróia) também se abatem". Sem ou com cunhas. 

terça-feira, março 08, 2011

"Tradução" automática

Alguns leitores têm-se mostrado divertidos com certas "soluções" que resultam da utilização do mecanismo de tradução automática que passou a estar colocado no blogue (clique, à direita, em "traduire" ou "translate" para ver a versão francesa ou inglesa do blogue).

O objetivo deste sistema (gerido por uma máquina, sem intervenção humana) é proporcionar a leitores que não tenham o português como sua língua a possibilidade de perceberem, em termos muito gerais, o assunto que é abordado em cada post. Como é óbvio, não se trata de uma verdadeira tradução, mas sim de uma mera aproximação, quase palavra-a-palavra. Devo, porém, dizer que considero o saldo global muito positivo, se aceitarmos o limitado objetivo do exercício.

Reconheço que, de facto, alguns resultados obtidos pelo mecanismo acabam por ser verdadeiramente hilariantes. Por exemplo, e como notou um atento comentador, a frase "fui beber uma bica, ali ao lado" surge, em inglês, como "I was drinking a fountain, next door"...

Diplomacia europeia

Ainda neste dia internacional da Mulher, é uma excelente notícia saber que a diplomata portuguesa Ana Paula Zacarias, que já chefiou a nossa missão na Estónia e representava Portugal no Comité Político e de Segurança, em Bruxelas, acaba de ser escolhida, por concurso público aberto aos diplomatas dos 27 países da União Europeia e aos funcionários das suas instituições, para chefiar a missão da UE em Brasília. Ana Paula Zacarias conhece bem o Brasil, onde já serviu, como Cônsul em Curitiba.

Trata-se do primeiro membro da carreira diplomática portuguesa a ascender ao lugar de chefe de uma missão da União Europeia, sendo que a representação no Brasil é considerada uma das mais importantes do novo Serviço Europeu de Ação Externa. Dois outros funcionários de nacionalidade portuguesa, João Vale de Almeida e Cristina Martins Barreira, neste caso oriundos das instituições europeias, dirigem já, desde há meses, as missões junto dos EUA e do Gabão.

Um abraço amigo e votos de boa sorte, Ana Paula!

8 de março

Faz hoje precisamente 10 anos. Lembro-me bem que desci a pé a rampa do palácio de Belém, depois do ato de transição, e fui beber uma bica, ali ao lado. Já sem horas, nem audiências. Acabara uma experiência política de mais de cinco anos. Sentia ter cumprido "com lealdade, as funções que me (haviam sido) confiadas", nesses quase 2000 dias!  E voltava a poder fazer o que, decididamente, mais gosto e sei fazer.

Nesse dia, acabavam as infernais horas perdidas em aeroportos e aviões ("ao menos, aqui não há telemóveis"), as refeições à pressa, os insípidos quartos de hotel, a leitura ansiosa dos jornais ("olha! Há aqui uma crítica à nossa política europeia"), as maratonas bruxelenses, a análise, pela madrugada dentro, dos diplomas para aprovar "em Conselho", a agenda diária cada vez mais esgotante. Mas, também, as coisas conseguidas, os magníficos e dedicados colaboradores (em especial colaboradoras, já que a esmagadora maioria foram mulheres, e hoje é o dia delas!), os muitos amigos descobertos e conquistados, a certeza de que as posições portuguesas foram sempre defendidas tão bem quanto sabia e me foi possível, o privilégio de poder ter tido um "outro" olhar sobre o país.

Mas não se confunda nada disto com poder. Na maioria dos casos, neste tipo de posições, em termos de exercício efetivo de poder, o que se pode fazer é relativamente pouco: ou não há dinheiro, ou não há gente adequada e disponível, ou o peso do "sistema" nos impede, ou é a lei que não deixa. E, quase sempre, não se pode aplicar a máxima de Correia de Oliveira: "o que é legal faz-se por despacho, o que é ilegal faz-se por decreto". Não é assim, em democracia.

Olhando hoje para trás, sem a mais leve nostalgia, reconheço que foi um período muito interessante, embora, com toda a certeza, bem mais longo do que teria sido desejável. No geral, não me arrependo minimamente do que fiz, mas, em perspetiva, soubesse eu, à partida, o que sabia à saída, faria algumas coisas de uma forma bem diferente. Mas, em política, tal como no futebol, "prognósticos só no fim do jogo".   

Os EUA, a ONU e Gaza

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