quinta-feira, agosto 11, 2011

terça-feira, agosto 09, 2011

Copianço

O país anda numa maré de copianço.

Há semanas, foram os aspirantes a magistrados a darem mostras dos seus princípios de ética, que lhes prenunciam um futuro profissional de sucesso, a serem apanhados a falsificar as suas provas. O meu amigo Marinho Pinto, bastonário das Ordem dos Advogados, publicitou então a sua legítima indignação. Semanas depois, foram os candidatos a advogados, no seu exame para entrada no estágio, a revelarem especiais "qualificações", ao serem apanhados em fraude idêntica.

Na página 7 do "Diário de Notícias" de ontem, um jornalista insurgia-se, com imensa razão, com o facto de uma televisão ter pirateado, de modo flagrante, uma notícia do seu jornal, a propósito de alegadas nomeações políticas. Entretanto, na sua página 18, o mesmo jornal ilustrava uma notícia sobre uma agressão doméstica com uma imagem retirada de um ecrã de televisão, fotografado durante um telejornal.

Conclusão: estão todos bem uns para os outros. Esta é também uma parte do nosso "outro" défice.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Paulo Castilho

Paulo Castilho não é um escritor regular. Passam-se anos sem que apareça um romance seu. Contudo, nunca desilude. Esse é o caso de "Domínio Público", recentemente editado.

Trata-se de uma trama lisboeta, muito bem escrita, com uma linguagem que revela uma cuidada atenção ao discurso quotidiano contemporâneo. Tal como em anteriores obras, Castilho mostra que, em especial, lê muito bem o pensamento das personagens femininas, sem, no entanto, se deixar subordinar à tentação fácil da mera transcrição da oralidade "modernaça", como acontece em certas escritas de uma sub-literatura urbana que por aí anda, à procura desesperada de um novo realismo pintado de tons chocantes.  

Paulo Castilho é diplomata. Há hoje muito poucos diplomatas que se dedicam à escrita de ficção. Além dele, apenas Marcello Mathias e Luis Filipe Castro Mendes publicam obras com alguma regularidade. Mas todos, sem exceção, com elevada qualidade, como a crítica sempre reconhece. O que é, "corporativamente", uma constatação muito agradável. 

domingo, agosto 07, 2011

Falta de imaginação



Vá lá! Acho que tenho direito, depois de dois anos e meio de posts (algumas vezes, mais do que um) diários, a confessar que, no dia de hoje, não tenho a mais leve ideia para um texto. Não me ocorre nada que possa mobilizar o mais disponível dos leitores, mesmo os reformados que se dedicam, com nome emprestado e zelo telefónico, a entrar em direto no Fórum TSF ou nas tardes da SIC, comentando, com evidentes crises de vesícula, a atualidade, com uma abrangência temática digna do professor Marcelo. Nada! Hoje, não me sai rigorosamente nada!

Preguiçosamente, olhei para a imprensa, a ver se me pilhava alguma ideia. Ainda pensei abordar a questão da permissão excecional que, logo este ano, foi dada para a caça aos melros*. Seria uma exigência da "troika"? Mas não me recordo que o MoU tenha algo que permita disparar sobre as amáveis aves de bico laranja. E dei por mim a reler o poema que o Guerra Junqueiro lhes dedica, que o meu pai recitava como ninguém.

Lembrei-me também da questão da estátua de Caramuru na praça da República, em Viana do Castelo, um mostrengo que a saloiíce municipal permitiu que se implantasse naquele que é um dos espaços urbanos mais bonitos do país. Sempre seria um motivo acrescido para lembrar Viana, onde acaba de abrir agora um novo museu do Ouro (um abraço pela tua coragem, Manel!). Parece que há um movimento cívico para deitar abaixo o mamarracho. Se for precisa mais uma assinatura... Mas não é tema!

Ontem, foi dia de subida à senhora da Graça. Para quem não saiba, esta é a segunda mais importante etapa da Volta a Portugal em bicicleta, depois da "etapa-raínha" da Torre. De Mondim até lá acima, são imensos (embora poucos) quilómetros de esforço, que sempre impediram o "foguete da Rebordosa" (quem sabe de ciclismo sabe do que estou a falar) de ganhar a competição. Para post, contudo...

Ou, finalmente, ainda pensei que poderia aqui falar do meu Sporting e do modo 100% eficaz como, neste fim de semana, conseguiu assegurar, um honroso lugar no torneio "Ramón Carranza". O último lugar, claro. Tenho a sensação de que, uma vez mais nesta época, nós, os sportinguistas, vamos ter os nossos costumeiros problemas dermatológicos. Porquê? É que os "adeptos leoninos" (adoro esta linguagem de jornal desportivo), no início de cada época futebolística, esfregam de tal forma e com tal intensidade as mãos, repetindo "este ano é que é!", que acabam por ter sérios problemas de pele.   

Mas, não: decididamente, hoje, não tenho nenhuma ideia para um post. Até amanhã!

* Leitores atentos chamaram a atençãp para o lapso: não eram canários, eram melros. Aliás, o poema de Guerra Junqueiro sobre os canários ainda está por escrever.

sábado, agosto 06, 2011

Europa

O presidente da Comissão Europeia proferiu uma declaração sobre a necessidade de reforço das medidas de apoio europeu, para acorrer à conjuntura que o euro vive. Essas palavras terão caído mal em algumas chancelarias, por poderem ser interpretadas como uma implícita desconfiança na eficácia do pacote de medidas aprovado no último Conselho Europeu.

Aparentemente, o Dr. Barroso teve toda a razão em dizer o que disse e é muito bom sinal que se sinta cada vez mais motivado para interpretar, nas declarações e nas atitudes, essa coisa básica que é o interesse comum europeu - que muitas vezes não coincide com a média aritmética dos interesses dos países que mandam na União Europeia. Quanto mais as tomadas de posição do presidente da Comissão tiverem o condão de irritar certos Estados que se mostram relutantes perante a necessidade de adoção de políticas firmes que acalmem os mercados, mais isso significa que o comissário de nacionalidade portuguesa (as pessoas tendem a esquecer que Portugal é o único Estado da União que não teve a possibilidade de escolher um comissário) se aproxima do papel de garante dos Tratados e se afasta da imagem de representante dos "powers that be" que o cooptaram. E que, como ele bem sabe, já não terão ocasião de o fazer de novo.

sexta-feira, agosto 05, 2011

Marta Neves

Durante muitos anos, aquela publicidade volumosa, com chavinhas e medalhas plásticas, que nos anunciava sermos potenciais vencedores de sorteios com imensos zeros, chegada da "Reader's Digest", vinha assinada, em letra manuscrita, por uma tal Marta Neves.

Alguém, um dia, me esclareceu que essa "Marta Neves" era, afinal, uma figura virtual, um nome escolhido para dar ares de personalização da correspondência. Uma coisa assim a modos como o "OK! Teleseguro, fala a Marta".

Porém, olhando nestes dias para os jornais, verifico que a informação que me deram estava errada. Afinal, a Marta Neves existe, está bem e recomenda-se. Fica assim provado que há mais vida para além do mundo virtual.

quinta-feira, agosto 04, 2011

"Serviço público" (2) - restaurantes de Trás-os-Montes e Alto Douro (revisto)

E, a exemplo do Minho, aqui deixo a minha lista de restaurantes de Trás-os-Montes e Alto Douro.

João Gomes Cravinho

Há em Portugal poucas pessoas com uma formação académica e uma experiência prática, em matéria de relações internacionais e de políticas de desenvolvimento, que se possam equiparar às de João Gomes Cravinho. Por isso, não me surpreende que a União Europeia tenha reconhecido essas qualificações e, por exigente concurso público, o tenha escolhido para chefe da sua delegação em Nova Deli. Só prova que estão atentos...

Com esta nomeação, há agora portugueses à frente de delegações do Serviço Europeu de Ação Externa em três dos sete países com os quais a União Europeia desenvolve "parcerias estratégicas" (EUA, Canadá, Rússia, China, Japão, Índia e Brasil).

Há quem pense que estas coisas acontecem por acaso, que é apenas pela roda da sorte que um português chefia a Comissão Europeia, que outro é Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados ou que outro ainda dirige a Aliança das Civilizações. O mérito pessoal de todas estas pessoas impôs-se, mas isso só foi possível, tal como a nossa presença no Conselho de Segurança da ONU, porque a nossa expressão diplomática, à escala europeia e global, tem qualidade e prestígio, é respeitada e reconhecida. Por isso, tal como o Porter recomendava para os "clusters" da nossa economia, devemos fazer ainda melhor o que, manifestamente, já fazemos bastante bem.

E, nesta ocasião, um forte e amigo abraço de parabéns ao João! 

quarta-feira, agosto 03, 2011

Pedras sem rugas

Ao ler que a l'Oréal tinha sido proibida de publicar fotos publicitárias de Julia Roberts, das quais, com "photoshop", haviam sido eliminadas as rugas, não pude deixar de lembrar a similitude desse caso com o que se passa no parque (dito) termal das Pedras Salgadas: uma montagem retocada, pintada nas fachadas, a fingir que está tudo a funcionar, sem "rugas"...

Está mais do que feita a triste história da intervenção da empresa Unicer nas Pedras Salgadas, onde já sobrevivem saudades dos tempos das gestões Cintra e Jerónimo Martins. Ou mesmo da "outra" Unicer, da era Ferreira de Oliveira.

Este blogue deu oportunamente a conhecer (consulte o marcador "Pedras Salgadas"), de forma incontestável, as flagrantes faltas da empresa face aos compromissos que tinha assumido, em especial no tocante à construção de uma unidade hoteleira, que historicamente sempre se revelou a única forma de viabilizar economicamente uma vila que nasceu em torno do seu parque termal.

Pergunte-se ao arquiteto Siza Vieira, de quem a Unicer anunciou, com espavento, que encomendaria o projeto para um hotel, que levaria o seu nome, "o que é feito" dessa mirífica obra. E talvez não fosse desinteressante alguém inquirir também sobre o que aconteceu aos "termos de responsabilidade" desse prestigiado arquiteto, face ao pouco que foi feito nas Pedras Salgadas e ao modo como outras coisas acabaram por ser concluídas na vizinhança. Mas essa é uma história para ser contada um dia...

Vale também a pena registar as omissões cúmplices de poderes públicos centrais, o "assobiar para o ar" e as tergiversações de alguns eleitos (a nível nacional e local) ou nomeados, os tristes silêncios da AICEP e do Turismo de Portugal. Com maior ou menor responsabilidade, fazem todos parte do elenco desta grande farsa.

A população das Pedras Salgadas, cuja economia está a ser estrangulada, já teve ocasião de, sobre o assunto, se expressar de forma muito clara e pública, por diversas ocasiões. Fê-lo com civismo, sem partidarismos, com dignidade, demonstrativos de quem não se sente não é filho de boa gente. E de que não tem medo, claro. Como o irá provar, futuramente, em novas ações, por forma a alertar poderes públicos, desmascar poderes privados e testar a coerência dos eleitos.

Hoje, o que é que se passa por lá, conforme pude observar, há dias? Na prática, e apenas para a minúscula "saison", está aberta a pequena piscina com um bar, a clássica "Casa de chá" foi concessionada a uns inexperientes profissionais, que servem uma gastronomia atroz, e, numa das nascentes, aparece, em certas horas, uma menina de bata branca que oferece "água das Pedras", em pequenos e finitos copos de plástico. E dizem-me que há por lá um spa, com frequência quase clandestina. São rebuscados artifícios para iludir quem passa e dar ares de se estarem a cumprir "mínimos", em matéria de responsabilidade social. Depois, virá o outono, o parque fechará e o "circo" será arquivado até ao ano. Na vila, com o comércio a estiolar e o desemprego a aumentar, as pessoas tenderão a sair, como já o estão a fazer. Só a "água das Pedras" é que não deixará, nesse entretanto, de humedecer os bolsos dos acionistas na Unicer. 

Este é o Parque "devolvido" às Pedras Salgadas: um cenário de fachada, um monumental "trompe-l'oeil", que não faz esquecer os compromissos não cumpridos, não obstante os lucros fabulosos que a empresa exploradora continua a apresentar, muito por obra e graça da água que extrai daquela terra.

Numa recente passagem pela localidade, senti que começam a esgotar-se o tempo e a paciência nas Pedras Salgadas, a menos que surja no horizonte alguma mostra de "uniceriedade".

A última morte de Mao

A sugestão adiantada nos últimos dias por alguns analistas económicos internacionais, no sentido da República Popular da China poder "dar uma mão" à crise que o sistema capitalista internacional atravessa, configura uma imensa ironia, histórica e ideológica.

Como se sentiria Mao perante esta salvífica hipótese?

terça-feira, agosto 02, 2011

Título

- Tu sabias que ele é um aristocrata?

- Quem, aquele tipo? Não fazia ideia.

- É. Deve ser por isso que chegou atrasado.

- Porquê?

- O homem nunca utiliza auto-estradas, vem sempre por estradas antigas.

- Mas não utiliza auto-estradas para poupar dinheiro?

- Não. É que um dia assustou-se quando viu, na entrada de uma auto-estrada, "Retire o título"...

Inquéritos

Os "inquéritos de verão" são uma epidérmica manifestação jornalística da "silly season". Há-os agora em versão culta, a puxar para o "profundo".

Hoje, num jornal "de referência", a primeira pergunta do jornalista ao intelectual inquirido é: " É fácil ser intelectual nesta terra medíocre?".

O intelectual, que modesta e sabiamente recusa o qualificativo, responde que considera "muito irritante que as pessoas achem que o país não está à altura delas".

Uma interpretação benévola tomará a pergunta por uma subtil ironia. E que a resposta do inquirido não representa uma bofetada de luva branca. Opiniões.

segunda-feira, agosto 01, 2011

O novo uruguaio

Eu presidia, nesse ano de 2001, à 2ª comissão (questões económicas e financeiras) da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. A certo passo de uma das sessões, dei-me conta que estava inscrito para falar o meu colega e amigo, o embaixador brasileiro Gelson Fonseca.

Provavelmente em inglês, dei-lhe a palavra. Qual não foi o meu espanto quando verifiquei que o diplomata brasileiro começou a falar... em espanhol!

As línguas oficiais da ONU são seis: o árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo. Os países de língua portuguesa têm como ambição colocar o português entre essas línguas oficiais, pelo que muitos de nós - mas esta é um regra não escrita, não formalizada, nem obrigatória para ninguém - optamos por não nos exprimir em espanhol, uma língua cuja similitude e aproximação com o português pode, de certo modo, enfraquecer aquele nosso objetivo.

Acabada a fala de Gelson Fonseca, saiu-me, no meu melhor espanhol: "Agradeço ao distinto delegado do Uruguai a sua intervenção e passo a palavra ao orador seguinte, ...". O Gelson saltou na cadeira e esclareceu, em inglês, para o microfone: "Perdão, senhor presidente, eu sou o representante do Brasil!". Ao que eu retorqui, também em inglês: "Sou eu quem peço perdão, mas a forma tão correta como o distinto delegado do Brasil se exprime em castelhano levou-me a confundi-lo com um falante de uma das antigas colónias espanholas". A parte do auditório que percebeu a graça deu umas discretas risadas.

O Gelson Fonseca "não se ficou", deu a volta à sala, subiu discretamente à tribuna e disse-me, com um ar divertido, esta coisa deliciosa: "Ó Francisco, você não percebeu! Na realidade, eu não falei espanhol, falei um "portuñol" com tantas expressões portuguesas "espanholizadas" que, no fundo, acabei quase por consagrar uma subliminar entrada do português como língua das Nações Unidas". O Gelson era e é um grande embaixador brasileiro. 

Registe-se que, por essa época, o Brasil não tinha, em relação à promoção da língua portuguesa à escala global, o empenhamento que hoje demonstra e, segundo julgo saber, os seus diplomatas eram mesmo estimulados a usar o espanhol. Nós não.

domingo, julho 31, 2011

Lídia Jorge

Já passava das três da manhã quando, num "zapping", surgiu na SIC Notícias uma conversa de Lídia Jorge com António José Teixeira. Fiquei a ver e ouvir até às quatro. Com grande proveito.

Lídia Jorge é uma intelectual atípica. Fala sobre as coisas com uma desarmante sinceridade, sem aqueles falsos improvisos, recheados de frases feitas (e testadas), que alguns dos seus colegas escritores utilizam, para se darem ares de grande originalidade, em especial quando são chamados a pronunciarem-se sobre temas do quotidiano. Há uma candura quase provocatória naquilo que diz, na forma simples, mas ao mesmo tempo profunda, como olha à sua volta, à nossa volta.

À inteligência das questões colocadas pelo António José Teixeira, a escritora não retorquiu com circunlóquios, mesmo quando os temas eram delicados e a curiosidade do entrevistador se mostrava intrusiva, como ´no da política interna da atualidade. Respondeu sempre, serena, genuína, revelando dúvidas, interrogando-se. E ajudando a interrogarmo-nos.

Há muito que gosto de ouvir e ler Lídia Jorge falando de nós, dos portugueses, com uma postura crítica sem auto-flagelação, com uma compreensão por onde perpassa a subliminar tristeza, que também nos é comum, de que tudo "tenha de ser assim". É a atitude de alguém que percebe o país, mas que não desiste dele, que não se refugia numa espécie de desespero cívico.

Posso estar enganado, mas tenho a sensação de que muitos de quantos possam assistir a esta entrevista sentir-se-ão identificados aquilo que Lídia Jorge nela diz.   

Em tempo: Lídia Jorge passou a colaborar, aos sábados e domingos, com umaa notas algarvias no "Público". A julgar pelas primeira, vale a pena não perdê-las. 

sábado, julho 30, 2011

Passos perdidos

Café de S. Bento. Fragmentos de um discurso ocioso.

- É incrível, o tipo lá conseguiu ser eleito outra vez deputado. Na legislatura anterior, não abriu o bico. Nem nas comissões! E põem-no outra vez nas listas. É um escândalo!

- É preciso dar tempo ao tempo. Consta até que já está a preparar um projeto de lei.

- Não acredito! É um calaceiro. Não é capaz de apresentar nada. Que lei é?

- A lei do menor esforço...

"Faturinha" ?

- Vai querer faturinha?

Irrita-me esta pergunta, frequente no final das refeições em restaurantes portugueses. Claro que quero sempre "faturinha", na ilusória esperança de que, assim procedendo, estarei a contribuir para evitar a evasão fiscal (depois, deito fora o papelinho, de imediato) e para que o Estado não seja lesado. Aliás, acho que deveria ser punível, por lei, fazer a pergunta e que a fatura, como acontece em muitos países decentes (e até em alguns que o são menos), deveria suceder-se, de forma automática, ao pagamento.

- Se quer faturinha vai ter de me dar um número fiscal e um nome completo.

Esta nunca me tinha acontecido! Mas surgiu-me hoje, depois de um almoço num restaurante. Essa agora! Se assim for, só alguns bem afortunados da economia privada, que podem descontar almoços e jantares no IRC ou no IRS, por deduções fiscais alfaiatadas à sua medida, é que passarão a dar-se ao trabalho de transmitir os seus dados pessoais (ou da empresa, o que é mais certo) para a emissão da fatura. Os restantes cidadãos, nomeadamente os trabalhadores por conta de outrém (como é o meu caso), que pedem fatura apenas para terem a certeza cívica de que os proprietários dessas casas comerciais pagam os impostos devidos, tenderão a não ter esse trabalho cumulativo, que implica uma tarefa extra aos restaurantes e a perda de tempo. E é assim que se estimula a evasão fiscal, que todos dizem condenar.

Entre a sábia legião de leitores deste blogue alguém pode esclarecer (1) se é obrigatório ou não emitir sempre fatura, mesmo sem pedido expresso, e (e) se somos ou não obrigados a dar um nome e número de contribuinte para a emissão da mesma?

sexta-feira, julho 29, 2011

A revisão da Constituição

A conversa estava solta e animada. Na sala daquela família burguesa da Foz portuense, discutia-se, entre amigos, a situação política decorrente das recentes eleições. Não havia grandes diferenças ideológicas entre os presentes, todos favoráveis aos "novos ventos". A certo passo, veio à baila o tema da revisão da Constituição. Revelavam-se divergentes as opiniões sobre o interesse de, nesta fase da vida política nacional, introduzir um debate que, segundo alguns, poderia abrir clivagens indesejáveis no seio novo espetro parlamentar. Outros, mais radicais, consideravam, precisamente, que era importante aproveitar a nova relação de forças para acabar com o que consideravam ser os "anacronismos" existentes no texto fundamental, ainda muito tributário dos tempos revolucionários dos anos 70.

O David era um dos membros da família a quem estas coisas da política pouco diziam. Com quase quarenta anos, sabia-se que o seu voto havia sido sempre no lado conservador, com variações de partido, mas raramente dava uma opinião sobre esses temas. As "guerras" em que se metia, como feroz portista que era, situavam-se, maioritariamente, no futebol. A mais recente tinha a ver com a "traição" do Villas Boas, que trocara o Dragão por Stamford Bridge. Aí sim, era um radical impenitente.

Por isso, todos estranharam que, ao passar da varanda para a sala, em busca de uma cervejas, tivesse lançado, para o grupo: "Pois eu, cá por mim, sou favorável a que se façam mudanças na Constituição". E logo saíu, em direção à cozinha, sem dar mais pormenores sobre as suas opções concretas na matéria. Todos se entreolharam, estranhando esta inesperada tomada de posição, tanto mais que o David não participara em nenhuma fase da conversa, onde se tinham abordado as questões laborais e de saúde. Ninguém ligou muito.

Minutos depois, o David reapareceu, sobraçando umas cervejas e alguém perguntou: "Ó David, diz lá então o que é que gostarias que mudasse na Constituição".

O David parou junto à saída para a varanda, refletiu um instante e adiantou: "Olhem! Para já, acho que deviam fazer uma rotunda no cruzamento com a Oliveira Monteiro. Assim como está é muito perigoso".

Esta história, com poucas semanas, foi-me contada por amigos do Porto, onde se situa a rua da Constituição. E quase só tem graça para eles. Mas ela aqui fica, nestas minha férias nortenhas. 

Despedidas

Estão na moda as despedidas da escrita antiga, agora que o Acordo Ortográfico vai, contra ventos, marés e Graças Mouras, entrar definitivamente em vigor.

Ontem, chegou-me este delicioso texto:

"Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o c na pretensão de me ensinar a nova grafia. De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa. 

Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim. 

São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes cês e pês me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância. Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: não te esqueças de mim! 

Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí. E agora as palavras já nem parecem as mesmas. O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos. 

Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato. Caíram hifenes e entraram erres que andavam errantes. É uma união de facto, para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. 

Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem. Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu. E os meses perderam importância e dignidade, não havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, março são tão importantes como peixe, flor, avião. Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham.

As palavras transformam-nos. Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos.

Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do cê não me faça perder a direção, nem me fracione, nem quero tropeçar em algum objeto abjeto. Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um cê a atrapalhar."

quinta-feira, julho 28, 2011

Pélvico

Fora simpática a iniciativa daquele embaixador português, numa certa capital europeia, de oferecer um cocktail de despedida ao colega que estava acreditado junto de uma organização internacional, na mesma cidade, e que ia regressar a Lisboa. Algumas dezenas de amigos tinham sido convidados para a ocasião, que tinha muito de genuína, porque os dois diplomatas tinham, de facto, uma saudável e boa relação entre si.

Chegada a hora dos discursos, o dono da casa foi pródigo em elogios ao colega que partia, sublinhando, com ênfase, a ligação de amizade e grande simpatia que mantinham. O que ninguém estava à espera é que, no entusiasmo das palavras, lhe tivesse saído, a certo passo, a afirmação: "Nós os dois temos uma proximidade pélvica!".

A sala estacou de surpresa. Que diabo?! "Uma proximidade pélvica"? O homenageado cofiou a barba e manteve o sorriso, nesse momento já um pouco mais amarelo, evitando olhar para os circunstantes, muitos dos quais abafavam risadas e trocavam divertidos e surpreendidos olhares. Com o prosseguimento do discurso, o efeito da expressão foi-se diluindo e, fixada que fora a estranheza pela frase, a maioria dos presentes como que esqueceu o episódio.

No dia seguinte, porém, um dos diplomatas da casa, mais ousado e próximo do embaixador, não resistiu a perguntar-lhe: "O senhor embaixador desculpará, mas ontem, na receção, não percebi bem o que quis significar, ao dizer que tinha uma "proximidade pélvica" com o seu homenageado".

O embaixador olhou-o do alto dos seus óculos grossos, com a cara grave habitual, que não significava zanga mas era apenas um estilo, e esclareceu: "Não percebeste? Essa agora?! Quis dizer que nós tínhamos uma grande ligação, que sentíamos as coisas na pele da mesma forma, uma proximidade "pélvica", de pele...

Realmente, a língua portuguesa é muito traiçoeira. 

Sortido fino

Há pouco tempo, surgiu um blogue que dá pelo nome revivalista de "O destino marca a hora"* e que se carateriza, além de outras coisas, pelo uso de belas fotografias.

O mais curioso, e que justifica esta nota, é o facto de nele se recomendarem alguns blogues através de qualificações sintéticas. A nós, coube-nos "sortido fino". Citando Américo Tomaz, "só tenho para isso um adjetivo: gostei!"

Maduro e a democracia

Ver aqui .