sábado, junho 22, 2013

Janus

Janus é um deus romano com duas faces - que olham simultaneamente para a frente e para trás. Desde há dezasseis anos, sem falhas, o Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma (até ao ano passado em associação com o "Público) edita um anuário a que dá o nome de "Janus" (podem aqui ser consultadas todas as versões informáticas dos anuários de 1996 a 2012). É um trabalho sempre de grande interesse, onde se inserem análises sobre a conjuntura e as grandes questões internacionais, bem como sobre a política externa portuguesa. Tal como em alguns anos passados, também eu colaborei na edição de 2013 do "Janus" (com este texto), a qual teve como temática central "As incertezas da Europa".

Há dias, num fim de tarde, na FNAC do Chiado, a convite do professor Luis Moita, fui convidado a fazer a apresentação do número do "Janus" correspondente a 2013. Na minha intervenção, para além de destacar alguns dos principais textos inseridos no anuário, notei o facto de nele ser inserido um interessante - e julgo que inédito - conjunto de estudos sobre as Forças armadas nos PALOP. 

Aproveitei o ensejo, seguindo um pouco alguns dos textos publicados mas dando também algumas sugestões para futuras edições, para fazer um greve bosquejo das grandes linhas da política externa portuguesa, procurando detetar continuidades mas também certas inflexões conjunturais, fruto dos tempos e de algumas decisões menos felizes.

Recomendo vivamente a leitura do "Janus" 2013, agora com uma dimensão mais "friendly", a qual, contudo, não afetou a originalidade gráfica que é a sua imagem de marca. E, para os cultores de relações internacionais, aconselho também uma visita ao boletim bilingue janus.net - e-journal of International Relations, de cujo Conselho consultivo me orgulho de fazer parte desde a sua criação, em 2010.

sexta-feira, junho 21, 2013

Internet

Lisboa foi um vez mais o cenário do EuroDIG, o espaço europeu de debate sobre a governança na internet. Mais de trezentos participantes, na sua maior parte estrangeiros, animaram nestes dois dias um debate muito participado sobre o modo como se poderá ou deverá intervir na regulação do espaço informático. Esta conferência foi seguida, em simultâneo, um pouco por todo o mundo, com participação em tempo real de cidadãos de vários países, num ambiente que, sem surpresas, se expressou exclusivamente em inglês.

Na manhã de hoje, coube-me participar na moderação de um painel onde se falou da utilização da internet para a propagação do "discurso de ódio" e como meio de "difamação". O ambiente da discussão procurou aprofundar o difícil equilíbrio entre a plena liberdade de expressão e o melhor modo de regular o abusos que o espaço da internet pode proporcionar. Em especial, trabalhou-se a forma de superar, na ausência de um normativo aceite à escala global, a contradição entre uma mensagem que praticamente não conhece fronteiras e a existência de jurisdições nacionais, únicas entidades que podem exercer uma função reguladora. O risco de alguns Estados poderem sentir-se tentados a uma ação autónoma, de matriz censória ou bloqueante, no caso de não ser possível garantir alguns mecanismos regulatórios que, de forma razoável, possam obviar a flagrantes abusos foi um tema bastante discutido.
           
Foi um debate muito interessante, em que tive o ensejo de pôr em evidência o trabalho do Centro Norte-Sul, do Conselho da Europa, que, de há muito, desenvolve uma ação muito interessante no sentido da promoção do diálogo, nomeadamente através da internet, entre cultores de diferentes visões do mundo, em particular na área religiosa, num esforço de promoção de um cidadania ativa e esclarecida. O Centro alimenta cursos "on-line" que já envolveram milhares de participantes, oriundos de diferentes zonas do mundo, sendo hoje uma muito original plataforma de diálogo, em especial entre a juventude europeia e do mundo magrebino.

Steinbroken arrependido?

A propósito da necessidade de financiamento das "pequenas e médias empresas", os primeiros ministros de Portugal e da Finlândia assinaram um artigo conjunto no "The Wall Street Journal".

Longe parecem assim idos os tempos em que, do lado finlandês, nos chegavam ventos de aberta rejeição à ajuda europeia a Portugal, em momentos muito complexos da crise da dívida soberana. Agora, pelos vistos, a Finlândia está, pelo menos nesta área, do mesmo lado que nós na barricada. Nada como fazer parte das pequenas e médias "potências" para poder encontrar, ao virar da esquina europeia, algumas conjunturais afinidades eletivas. Até quando, vá lá saber-se!

Posso estar enganado, mas admito que o nosso velho amigo Steinbroken, figura maior da diplomacia nórdica, seja bem capaz de estar por detrás deste inesperado volte-face. Nunca é demasiado tarde para uma contrição, mesmo com a frieza ártica.

quinta-feira, junho 20, 2013

Osvaldo de Castro (1947-2013)

Osvaldo de Castro foi uma figura relevante dessa Coimbra mítica da crise académica de 1969. Nesse tempo, só lhe conhecia o nome. Depois, em algumas fotografia históricas da época, vim a identificá-lo com uma gabardine branca, "à Vittorio Gassman". Noutras, como a que surge em cima, aparece a falar "às massas", como vice-presidente da Associação Académica de Coimbra, durante esse belo movimento que contribuiu para desmascarar a farsa marcelista.

O Osvaldo morreu hoje. Só me recordo de o ter conhecido pessoalmente na aventura política em que ambos tivemos o privilégio de participar, a partir de 1995. Cruzei-me então, numa empatia geracional que logo nos uniu, com o humor e a ironia deste homem de fortes princípios, cuja evolução cívica se fez com serenidade mas também com forte convicção. Ele soube correr os riscos de quem colocou a sua própria liberdade em causa, em favor das ideias que defendia, mas, igualmente, foi capaz de assumir, com frontalidade e face a não poucas incompreensões, a necessidade de concluir que, para novos problemas e num tempo diferente, as respostas tinham de ser diversas.

Guardo, muito em particular, recordação dos turbulentos dias que ambos passámos em Seattle, representando Portugal na frustrada reunião da Organização Mundial de Comércio, em 1999. Rimos então da caricata situação de nos vermos protegidos pela polícia, em face dos manifestantes, muitos deles bem violentos, que identificavam os delegados à conferência como o "devil" a combater. É que, décadas antes, não nos passava pela cabeça que viesse a ser esse o nosso lado da rua...

Aqui fica um forte abraço ao Osvaldo e o meu respeito à sua Família.

Fenianos

Conheci ontem o embaixador irlandês em Portugal. Com o espírito jovial de "mediterrânico" do Norte que é típico dos seus concidadãos, falou-me, com entusiasmo, da ideia de fazer um guia com uma espécie de "percurso irlandês" de Lisboa, por forma a evidenciar aos portugueses a importância das relações entre os dois países. Trata-se de um apaixonado pela História e tem vindo a coletar imensa informação sobre o tema.

A meio da conversa, perguntei-lhe: "Já visitou o Clube Fenianos, no Porto?". Nunca tinha ouvido falar. Expliquei-lhe que, desde 1904, existe no Porto uma agremiação que, tanto quanto se sabe, deriva de entidades similares brasileiras (estas últimas, aparentemente, influenciadas pelos Estados Unidos), criadas ainda no século XIX, que tinham como objetivo a recolha de ajuda financeira para os revolucionários católicos irlandeses, que lutavam pela sua independência dos ingleses. De certa forma, como já tenho lembrado a amigos portuenses, o popular "Fenianos" tem uma raiz (pelo menos) etimológica que o liga ao famoso "Sinn Féin", o partido da da Irlanda do Norte que, durante muito anos, esteve por detrás do violento IRA. 

No historial do pacífico clube portuense de hoje, constam já poucos vestígios dessa origem. Na "Sapataria Fenianos", que fica no rés-do-chão, apenas sabem dizer que o nome se deve ao clube. Talvez, numa próxima visita ao Porto, o simpático embaixador irlandês venha a comprar por lá um par de sapatos, em honra da memória da instituição.

quarta-feira, junho 19, 2013

Gente

Os franceses e o "Le Monde" atiçaram-se contra o dr. Durão Barroso, por virtude de declarações por este proferidas, nas quais teriam sido qualificadas de "reacionárias" as objeções colocadas por Paris quanto à inclusão do audiovisual no mandato negocial para a ambiciosa agenda de liberalização de trocas entre a UE e os EUA.

(Seria, aliás, interessante conhecer a posição que Portugal assumiu na fixação deste mandato e os fundamentos em que a mesma terá assentado). 

O "Le Monde", no texto que lhe dedica, é muito cáustico quanto ao presidente da Comissão, qualificando-o de "camaleão", numa alusão, cuja justeza não cabe aqui aquilatar, sobre a sua adaptabilidade ao sabor dos diversos "ventos". Numa perspetiva de amizade e benévola admiração - estas coisas têm sempre leituras não unívocas - o meu amigo António Monteiro qualificava-o, há dias, numa conferência no MNE, como "um homem para todas as estações". Um diplomata menos contemporizador sugeriu que se acrescentasse ao título da conferência: "...e apeadeiros". Enfim, como diria Pirandello, a cada um a sua verdade.

Para vários comentadores nacionais e internacionais, esta atitude do ainda presidente da Comissão europeia poderá vir a comprometer as suas naturais ambições futuras: renovar o mandato na Comissão, substituir Von Rompuy na presidência do Conselho Europeu, aceder à secretaria-geral da NATO ou, limite dos limites, suceder a Ban Ki Moon como SG da ONU.

Neste "totoloto" de lugares de prestígio, movidos por patriotismo ou por outras razões mais comezinhas que não vêm à colação, só podemos desejar, com funda sinceridade, que a França não venha a surgir como um obstáculo insuperável ao prosseguimento da carreira à escala global de um político que os cidadãos deste país - uns com incontido orgulho, outros com maior ou menor desapontamento, outros ainda com um quiçá incompreensível alívio - viram sair de S. Bento para a rue de La Loi, no ano da graça de 2004.

Interpretando esse conjunto de motivações, todos não seremos nunca demais para procurar ajudar a que o dr. Barroso venha a ter acesso a um qualquer destino internacional alternativo àquele em que, na última década, tanto se tem ilustrado. Ao desejar e contribuir para isso, privar-nos-emos, com desprendida generosidade, de testemunhar uma sua eventual presença futura em alguns lugares institucionais da pátria. Mas esse é um sacrifício que, por todas as razões, só tem condições para nos motivar.

Cair na real

Ontem, fui convidado para ir à RTP 1 comentar, no âmbito do Telejornal da noite, a atual situação no Brasil.

Muito já se disse e dirá sobre as razões desta significativa erupção popular. Ela é, aparentemente, o resultado de uma bola-de-neve reivindicativa espoletada pela rejeição do aumento dos preços nos transportes urbanos. Outras tensões já lá estavam e, aparentemente, ninguém as tinha detetado. O governo brasileiro terá "lido" mal o início desta crise e só ontem deu notas de um maior realismo.

Dizia António Carlos Jobim dizia que "o Brasil não é para principiantes". Com efeito, trata-se de uma sociedade muito complexa, com diferentes realidades, com desigualdades muito profundas, não obstante o fantástico progresso sócio-económico conseguido na última década, que fez crescer fortemente a classe média e contribuiu para mostrar aos brasileiros que era possível escaparem ao estigma de serem eternamente "um país do futuro". Talvez esse crescimento, que parecia imparável, sujeito agora a um abrandamento da economia, esteja a induzir uma frustração a uma juventude a quem foram criadas expetativas que o presente torna difícil de realizar.

Naquilo que disse na RTP, entendi dever destacar o que considero poder ser um relativo esgotamento do atual sistema político-partidário brasileiro, em que o Partido dos Trabalhadores (PT) parece já não conseguir assumir-se, perante largos setores do país, como o instrumento da mudança e da esperança que tinha sido, sendo já visto por muitos apenas como parte de um "sistema" que o conquistou e enquistou. Curiosamente, o presidente Lula havia conseguido apresentar, durante muito tempo, um discurso "reivindicativo" face ao seu próprio governo (!), colocando-se como o garante de que este não se contentaria com uma via quase imobilista. Nesse tempo, em que o brasileiro pôde constatar uma melhoria qualitativa e quantitativa do seu nível de vida, Lula era visto como um presidente sempre "insatisfeito" com os níveis de sucesso do país. Essa credibilidade e genuinidade contribuíram, aliás, para que o presidente, por muito tempo, tivesse saído incólume da crise "ética" que abalou e ainda abala o PT. Mas Lula, com o estimular dessa atitude, que ia bem com o espírito otimista brasileiro, colocou a fasquia da ambição popular em níveis muito elevados.

Os tempos são diferentes, hoje. A Dilma Russeff, que tem em credibilidade técnica o que não possui no carisma que era a imagem de marca do seu antecessor, cabe agora gerir um ciclo económico que já se percebeu que está longe de permitir os ritmos anteriores de crescimento. O Brasil tinha vindo a iludir a inevitabilidade de ter de pagar também um custo pela crise global, assumindo mesmo, por muito tempo, um discurso algo eufórico, para uso político interno e externo, que ia bem com a matriz ambiciosa do país mas que conduz a "ressacas", quando as coisas "caem na real" - como por lá se diz.

Uma última nota sobre algumas comparações sem sentido. O Brasil não vive nenhuma "primavera árabe" ou uma qualquer "revolução de veludo". Com as muitas insuficiências que o seu sistema político-partidário tem, somadas a um modelo federal atípico e que dá mostras de potenciar egoísmos e estimular agendas de interesses contraditórias, o Brasil é hoje uma grande democracia, com um sistema eleitoral imaculado, com uma liberdade de imprensa e de expressão que pede meças a qualquer outro Estado.

A democracia é, sempre, o espaço para a descoberta das soluções de futuro. Devo dizer que, como amigo do Brasil, não estou inquieto quanto ao seu futuro. Mas compreendo o cartaz daquele manifestante: "Não disparem contra os meus sonhos". O poder político brasileiro tem de conseguir encontrar, com rapidez, uma forma de provar que se mantém ao lado da esperança. 

terça-feira, junho 18, 2013

Virgin

A notícia não era inesperada, mas, como detentor do cartão Virgin, acabo de receber a necessária confirmação. O Virgin Store, dos Champs Elysées, de Paris, vai fechar. Da paisagem da avenida vai desaparecer uma das lojas que, desde há um quarto de século, bastante marcaram a cidade.

Agora que já saí de Paris, mais evidente fica para mim que uma visita à Virgin era uma das poucas razões que, nos tempos mais recentes, me levavam aos Champs Elysées. A artéria - talvez a mais bela avenida do mundo - transformou-se, há muito, num polo essencialmente turístico, onde os parisienses pouco vão, exceto para uns cinemas ou para uma noite mais requintada no Fouquet's. Lojas e mais lojas, restaurantes quase sempre sofríveis (embora um almoço de fim-de-semana no primeiro andar do Ladurée não fosse uma má ideia) e um trânsito pouco convidativo, em especial aos fins de semana, transformaram os Champs Elysées de hoje num lugar menos convidativo para quem vive regularmente na cidade.

A Virgin era, contudo, um pouso seguro onde quase sempre se encontrava o CD ou o DVD que há muito procurávamos. Na cave, tinha uma livraria muito bem arrumada, com uma excelente seleção de obras de referência e uma magnífica área de guias de turismo. Curiosamente, dou-me conta que passava por lá com mais regularidade quando visitava Paris do que quando por lá vivi - altura em que me abastecia de livralhada bastante mais na zona de St. Michel - na L'Écume des Pages ou na La Une -, na zona da Rivoli - na Galignani ou na WH Smith - ou na zona mais perto de casa - na Lamartine ou na Fontaine.

Vai-se o Virgin Store de Paris. É a vida!   

Nova

Aceitei ontem um novo desafio: integrar o Conselho da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, presidido pelo dr. Francisco Balsemão. Espero que a minha colaboração, que se prende com alguma experiência que possuo na área diplomática e das relações internacionais, possa ser de utilidade àquela que, no respetivo domínio, é uma das mais prestigiadas instituições portuguesas. 

Em matéria académica, as minhas "credenciais" são cerca de quatro anos (três desses anos como presidente) no Conselho geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e mais de dois anos no Conselho consultivo da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Ambas foram experiências que me ensinaram a ver o sistema do ensino superior por dentro e a apreciar o trabalho notável que, na área universitária, se faz hoje em Portugal.

Antes que alguém leia esta "acumulação" como um somatório de "tachos", que fique claro que nenhuma destas atividades em instituições públicas tem, ou teve, qualquer remuneração. O mesmo sucedeu com o Conselho geral de Guimarães - capital da Cultura, onde estive nos dois últimos anos e, nos dias que correm, com as funções de diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, um lugar em "full time" que exerço desde fevereiro.

Não fiz nem faço qualquer sacrifício em aceitar estes lugares. Ao invés, fico grato e honrado por se lembrarem de mim para o respetivo exercício. Depois de encerrada a minha carreira diplomática, entendo, aliás, que esta é uma outra maneira de continuar a servir o país. 

segunda-feira, junho 17, 2013

Futebol de salão

Nos idos dos anos 70, representei a Caixa Geral de Depósitos num torneio corporativo de futebol de salão. Ainda guardo uma fotografia da nossa equipa desses tempos. Eu era guarda-redes. Tratava-se de uma posição na qual, desde o andebol no liceu, eu me "especializara" e em que tinha veleidades de ter algum jeito. Hoje, reconheço ter sido sempre um praticante apenas sofrível, em ambas as modalidades.

(De um desses jogos noturnos, defendendo as cores da Caixa em futebol de salão, guardei um episódio divertido. A certo passo, num pavilhão quase deserto, "dei um frango" monumental. Na bancada por detrás da baliza que eu defendia, estava sentado, sozinho, um miúdo com uns doze ou treze anos, provavelmente ali do bairro próximo. Mal a bola se afastou para o "centro do terreno" e eu fiquei isolado e algo humilhado com a minha "nabice", ouvi-o chamar-me, muito à moda lisboeta: "Ó vizinho! Vizinho!!!". De início, não dei atenção. Mas ele insistiu: "Ó vizinho!". Acabei por olhar, de soslaio. E lá o ouvi, com um sorriso trocista, lançar-me uma onomatopeia crítica: "Piu!...")

Anos mais tarde, comecei a notar que o nome de "futsal" passou a ser utilizado nas notícias relativas ao antigo futebol de salão. Para mim, tratava-se de um sucedâneo menor do "desporto-rei", tal como o era o futebol de praia, razão por que nunca atribuí à modalidade mais importância do que aquela que lhe dávamos nas horas de diversão bancária de outros tempos. Mas fui-me dando conta que muita gente se entusiasmava com os resultados, em especial porque o futsal havia passado a ser titulado pelos principais clubes portugueses - e isso era garantia segura, por um processo de emulação clubista, de um reconhecimento público.

Um dia, ao tempo em que era embaixador em Brasília, recebi uma comunicação da federação portuguesa informando que a "seleção nacional de futsal" ia disputar um torneio na capital federal brasileira. Devo confessar, hoje com algum sentimento de culpa, que olhei para a informação como se se tratasse de um campeonato de sueca - porque, tendo deixado de ser leitor regular da imprensa desportiva, desconhecia, em absoluto, que o futsal tinha ganho uma importância desportiva já algo significativa, com dimensão internacional. Quem me conhece sabe que, ao tempo em que exercia funções diplomáticas, nunca foi meu costume furtar-me a estar presente junto de representações nacionais, fosse de que áreas fossem. Mas, porque tinha, "on the back of my mind", essa avaliação depreciativa da modalidade e porque as noites em que os jogos se disputavam estavam já ocupadas, recordo-me de ter pedido a um colaborador para passar pelo local das provas. Tenho, porém, a sensação de ter acrescentado "se puder..." ou coisa idêntica, não o comprometendo totalmente com o encargo. A verdade é que ninguém da representação diplomática portuguesa terá contactado os dirigentes federativos portugueses ou estado presente aos jogos principais, nos quais a seleção portuguesa terá tido um comportamento brilhante. Semanas mais tarde, a federação reagiu por escrito, insatisfeita com a falta de atenção por parte da embaixada. Vistas as coisas à distância, a federação tinha razão e fora eu quem fizera uma má avaliação da importância que, entretanto, o futsal viera a ganhar.

Tudo isto serve apenas para dizer que ontem, dia em que o Sporting ganhou, de forma esmagadora, ao Benfica em futsal, não me senti com grande autoridade para afivelar um júbilo por aí além. É que, para mim, continuo a não ter pela prática do futsal um apreço maior do que aquele que, por exemplo, sinto pelos matraquilhos. Mas deve ser defeito meu, pela certa. Embora eu goste bastante de matraquilhos, note-se!

domingo, junho 16, 2013

Em defesa do direito à greve

O 25 de abril abriu o caminho ao reconhecimento do direito à greve. Trata-se de uma opção laboral cuja legitimidade não pode nem deve ser colocada em causa, em nenhuma circunstância, salvo aquelas que a lei prevê como ilegais. A possibilidade do recurso à greve nas sociedades democráticas é o culminar de um longo e nobre processo, com sacrifício de várias gerações, que conseguiu impor este modelo de afirmação de interesses dos trabalhadores. 

Lembrei-me disto ontem, quando vi a manifestação dos sindicatos de professores. Recordei-me do tempo em que, como bancário, não me era permitido fazer greve. Esses tempos passaram. Era o que mais faltava que a classe dos professores não tivesse o direito de mobilizar os seus associados, em torno da defesa das suas reivindicações e dos seus objetivos corporativos. Com total coerência, fazem-no hoje como o fizeram contra o governo socialista, nos idos de 2010, um executivo que as grandes manifestações dos professores muito contribuíram para fragilizar. Uma ação que, importa lembrar, terá contribuído para a sua substituição por um governo de sinal bem mais conservador - mas essa é a prova maior, quiçá um tanto masoquista, dessa sua inquebrantável coerência.

Os sindicalistas professores têm assim toda a razão em arguirem em favor da legalidade da sua ação, mesmo em dia de exames, mesmo induzindo uma considerável perturbação numa data muito importante para a vida dos estudantes, mesmo com efeitos negativos sobre os esforços feitos pelos respetivos pais, num tempo económico-social de rara complexidade, com vista a assegurarem o êxito académico dos filhos. Um direito é um direito: a democracia impõe que nunca se conteste o respetivo exercício.

Percebo isto muito bem, porque, também eu reivindico o meu inalienável direito de pensar o que, de há muito, penso sobre o sr. Mário Nogueira e sobre a estratégia do "quanto pior melhor" que orienta as forças políticas que, com tanto sucesso, o tutelam. Desse direito não prescindo e, em democracia, nem sequer necessito de um sindicato para o impor.

Em tempo: sobre este tema, revejo-me, em absoluto, no texto que Miguel Sousa Tavares escreveu no "Expresso" de ontem e que só agora tive oportunidade de ler.

sábado, junho 15, 2013

Zangam-se as comadres...

Não é propriamente uma novidade, mas vale a pena registar o que passou nos últimos dias, entre os parceiros da "troika". Depois do FMI ter deixado a público alguma contrição sobre os eventuais erros cometidos no caso da intervenção na Grécia, surgiram vozes do lado da União Europeia - que, na "troika", tem a Comissão europeia e o Banco central europeu - a lamentar essa voz dissonante. 

Do lado português, em lugar de se aproveitarem tais dissídios para explorar a manifesta fragilidade institucional em que a "troika" ficou e, de imediato, alegar a incoerência programática das suas decisões mais gravosas, expondo à crítica algumas das condições que nos são impostas, a reação foi, no mínimo, curiosa. 

Da parte do chefe do governo, lamentaram-se as divergências entre os membros da "troika", o que não deixa de ser singular, num executivo onde, precisamente, as contradições sobre a justeza da aplicação de algumas das medidas do ajustamento por mais de uma vez fizeram perigar a coligação. 

Já o presidente da República optou pelos princípios e repetiu o óbvio: em tese, seria desejável que a Europa não precisasse de um tradicional "xerife" da ortodoxia financeira para respaldar decisões em que, ela própria, deveria ter massa crítica própria. 

No meio da situação, surgiu a voz do presidente da Comissão europeia, a lembrar que, afinal, a responsabilidade final pelas medidas impostas - e pelo seu grau de rigor, sublinhe-se - é dos Estados membros da "eurozona", que decidem (e, presume-se, ou não) sobre aquilo que a "troika" recomenda que deve ser imposto, nomeadamente em termos da maturidade dos empréstimos, das taxas de juro a aplicar e, naturalmente, dos limites temporais para a redução do nosso défice. O dr. Barroso tem razão, mas esqueceu-se de dizer, neste seu já tradicional e recorrente "lavar de mãos", que a instituição a que formalmente preside (por obra e graça dos tais Estados membros que tudo decidem) faz parte da entidade que propõe as medidas, com o rigor que delas ressalta. E que o "seu" comissário para o setor é um dos "falcões" do exercício e, várias vezes, tem assumido posições que colocam em causa o papel de "pomba" que o seu presidente, às segundas-quartas-e-sextas, entende dever assumir.

Vamos, então, às contas finais: se é verdade que as propostas da "troika" (que se sabe agora, de fonte "limpa", serem objeto de divergências no seu seio) têm de ser ratificadas pelos Estados membros do euro, então, ou eu estou a ver mal as coisas ou o esforço negocial principal deveria concretizar-se num intenso trabalho bilateral junto de todos e de cada um dos componentes da "eurozona" (os tais Estados membros que, segundo Barroso e La Palisse, dirigem o processo). Como? Através de um intenso "shuttle" para diálogo em cada uma das capitais dos países do "eurogrupo", politizando os argumentos, dramatizando a realidade das consequências económicas e sociais do ajustamento, denunciando o grau de rigor que ele nos tem imposto - no fundo, explicando essa coisa, que me parece evidente e facilmente arguível, de que todas as previsões da "troika" (e de quem nela manda) sobre os efeitos concretos das medidas aplicadas (para a recuperação dos indicadores macroeconómicos) falharam rotundamente, seja pela sua eventual inadequação objetiva aos objetivos ou, muito simplesmente, por culpa da conjuntura, não obstante o esforço que o governo português fez para fazer tudo "by the book", como lhe foi ordenado.

Será que isto tem sido feito? Era importante saber-se.

sexta-feira, junho 14, 2013

Da responsabilidade

Na noite de Santo António, Lisboa regurgitava de pessoas, entre as quais muitos turistas estrangeiros. Entre a Baixa e o alto do Chiado, circulava imensa gente. Para quem vinha da praça do Comércio em direção à zona do Camões, com vontade de ainda dar uma saltada aos festejos no Bairro Alto ou na Bica, o atalho pela escadaria do Metro era a opção mais natural e rápida. Entra-se sob a FNAC, desce-se um pouco (a escada rolante estava parada, mas, a descer, todos os santos populares ajudam) e, depois de atravessar um largo corredor, surgem diante de nós três longos lanços de escadas rolantes, colina acima, que desembocam na zona da Brasileira. 

Assim devia ser, mas não era. As escadas rolantes em sentido descendente estavam a funcionar. As que subiam mantinham-se imóveis. Ao meu lado, forçados a grimpar penosamente 252 degraus de uma escadaria paralela muito pouco confortável, centenas de turistas estrangeiros pareciam interrogar-se sobre esta peculiaridade portuguesa. Era uma bela maneira de os receber! E era um gesto que "calava fundo", por parte de uma empresa pública que assim mostrava a sua simpatia e atenção para com os portugueses, em noite festiva.

Às vezes pergunto-me se a ocorrência deste tipo de coisas é apenas estupidez, só incompetência técnica e "deixa-andar", ou, no limite do absurdo, se é mesmo de propósito, por parte de alguém que se quer vingar da vida, estragando a dos outros. Sendo português, a única coisa que eu sei, de certeza segura, é que nada acontecerá à pessoa responsável por este estado de coisas, que configura um profundo desrespeito por nós e por quem nos visita. "Accountability" é uma palavra que nunca terá uma tradução adequada em português.

A propósito deste sentido nacional para a irresponsabilidade, vou contar duas histórias.

Aqui vai a primeira.

Todos assistimos, alguns de nós siderados, à vergonha que foi o hastear da bandeira nacional, virada de pernas-para-o-ar, pelo presidente da República, no dia 5 de outubro do ano passado, no mastro da varanda da Câmara municipal de Lisboa. Como português, senti-me ofendido com este imperdoável descaso, que deixou de sorriso amarelo as ilustres figuras em volta.

Há semanas, estive numa cerimónia no salão nobre do município lisboeta. Numa conversa conjunta com vários responsáveis pela casa, ousei perguntar: "Qual foi a punição atribuída ao funcionário responsável pelo erro da colocação da bandeira, no 5 de outubro? Foi demitido?". Notei, na generalidade dos presentes, algum embaraço provocado pela minha questão. Uma das pessoas do grupo, a medo, retorquiu: "Coitado do homem. Anda por aí, ficou humilhado..."

"Humilhado"? Humilhado foi o presidente da República que o dia comemorava, humilhado deve ter ficado o presidente da Câmara em cuja sede se praticou um ato de incompetência crassa que colocou o país a rir-se das suas instituições. Mas não! Aparentemente, "humilhado" ficou, afinal, o medíocre assalariado, tudo levando a crer que rapidamente terá ficado absolvido e isento de culpas por essa "humilhação". Ao menos, conviria que fosse divulgado o nome da personagem, para que possamos conferir se, um destes dias, não recebe por aí um medalha...

E aqui fica a segunda história, que tem de ser um pouco mais longa*.

Até 2010, Portugal não tinha nenhum embaixador acreditado no Mónaco. Por essa altura, e a exemplo do que muitos países fazem, foi decidido que o embaixador em França (que, por acaso, era eu) passasse, cumulativamente e como não-residente, a representar Portugal no Mónaco. O processo correu os trâmites habituais: foi "pedido o 'agrément' ", através do envio do currículo do embaixador, e, tempos mais tarde, chegou uma "nota verbal" (é mesmo assim) das autoridades monegascas, dirigida à nossa embaixada em Paris, informando do respetivo assentimento para que, em data a combinar, o embaixador designado entregasse as "cartas credenciais" ao soberano, única altura a partir da qual estaria qualificado para exercer as funções. (Para quem esteja menos familiarizado com estas coisas, as "cartas credenciais" são um documento, assinado pelo chefe de Estado, que qualifica um determinado embaixador junto de um seu homólogo estrangeiro, e que são pessoalmente entregues pelo diplomata, naquilo que se chama a sua "apresentação".). Informei de imediato Lisboa de que era preciso mandar publicar o decreto de nomeação e preparar as "cartas", pedindo, simultaneamente, às autoridades monegascas para indicarem uma data na qual o seu soberano pudesse receber-me. As "credenciais" (modo como no jargão diplomático nos referimos à "apresentação das cartas credenciais") ficaram marcadas para cerca de três meses depois.

Lisboa teve, assim, mais de três meses para publicar o decreto e preparar as "cartas", uma tarefa que, sem pressas, se pode fazer em pouco mais de duas semanas. Porque já sei "do que a casa gasta", fui fazendo lembretes informais a Lisboa, sempre acolhidos com "rassurantes" respostas. Na semana anterior ao ato, pagos que estavam já o meu bilhete de avião e um adiantamento da reserva do hotel, bem como combinados todos os procedimentos formais e pedidos os encontros técnicos de trabalho que, subsequentemente às "credenciais", eu teria no Mónaco, comecei a dar-me conta que alguma coisa parecia estar a correr mal em Lisboa. Constatei então uma azáfama que envolvia já a Presidência da República e o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros. Porque tudo se tinha atrasado, chegou mesmo a encarar-se a necessidade da publicação de um número especial do "Diário da República", apenas com o decreto da minha nomeação para o Mónaco. E também fui informado que as "cartas", que só podiam ser elaboradas depois da publicação do decreto, iriam ser-me enviadas por DHL, na véspera da apresentação das credenciais, no dia do meu voo a caminho do Mónaco. Tudo isto porquê? Porque um qualquer incompetente (cujo nome, acreditem!, não sei nem quero saber) havia deixado atrasar o assunto e todas as entidades envolvidas no processo tinham sido apanhadas desprevenidas.

Que fazer? Não se podiam correr riscos. A experiência ensina a não confiar, em absoluto, na eficácia da DHL. Não houve outra solução que não fosse pedir ao Mónaco para anular toda a cerimónia, para alterar a agenda prevista do príncipe e todos os restantes contactos, com o desagradável impacto que isso teria, para além de encontrar maneira de suportar todos os encargos financeiros já assumidos. Vários meses passaram antes que a cerimónia pudesse voltar a ser organizada.

Perguntei então a Lisboa: "Foi instaurado um inquérito ao responsável por esta gigantesca incompetência? Isto justifica um processo disciplinar!". A resposta foi portuguesmente elucidativa: "'Tás a brincar?! Isto aqui não funciona assim..."

Pois claro que não funciona! Por estas e por outras é que "isto aqui" está como está!

*Imagino que algumas pessoas, em alguns meios oficiais, possam entender menos conveniente trazer-se um episódio desta natureza para a praça pública. Porém, eu acho que só pode temer quem deve.

quinta-feira, junho 13, 2013

Alegria em tempos de troika

- Lá está ele!, disse, apontando para uma luz murcha que saía do Ministério das Finanças, de uma janela voltada para o Campo das Cebolas.

A resposta não tardou:

- Olha! E eu que não pedi recibo das farturas! Que chatice! 'Inda vou preso...

Foi há poucas horas. Ao fundo, a música de Quim Barreiros era o "hit" da noite. Aquela casa grande parecia mais sombria do que nunca e, nessa penumbra altaneira, como que contrastava com a alegria revanchista, cá em baixo, dos imensos e divertidos passantes.

Entre sardinhas e fumo, imaginei, por um momento, a diversidade antropológica do trio da "troika" a passear-se pelo largo do Chafariz de Dentro. Havia de ser o bom e o bonito! Ou, muito provavelmente, à parte umas bocas foleiras, ninguém lhes ligava muito. Se fosse no S. João do Porto, à falta do alho porro, de uma boa martelada na cabeça não se safavam.

quarta-feira, junho 12, 2013

Acordo e desacordo

1. O "Público" não gosta do novo Acordo ortográfico. Está no seu pleno direito, na qualidade de jornal que tem opinião e a assume.

2. O chefe do governo português e a presidente brasileira confirmaram que o Acordo ortográfico entrará definitivamente em vigor em Portugal em maio de 2015 e, no Brasil, em dezembro desse ano. A generalidade da imprensa deu nota dessa decisão. 

3. O "Público" moita carrasco! Os seus leitores não tiveram direito a essa informação. Aposto em como o jornal só se referirá à decisão através de um comentário negativo. 

4. Quando os factos não ajudam, a notícia dissolve-se na opinião. Ou, como diziam alguns, é a verdade a que temos direito.

Festas de Lisboa

Há dois anos, publiquei aqui um post sobre as festas populares de Lisboa. Ilustrei-a então com uma imagem genial de uma "sardinha lisboeta", que havia apanhado na net. A criadora do desenho fez-me entretanto notar, com grande correção, que seria no mínimo curial dar nota da origem do grafismo, o que agora faço com imenso gosto - e também com gratidão e merecida admiração. 

Assim, na véspera desta data bem lisboeta, aqui fica a justa referência: a imagem é tirada do Melro Azul, com uma sincera homenagem à respetiva autora.

terça-feira, junho 11, 2013

Lúcio Alcântara

Ao tempo em que eu era embaixador no Brasil, havia - e creio que ainda haverá - uma única limitação para a atividade dos representantes diplomáticos estrangeiros, no período que antecedia a sua apresentação de credenciais ao presidente da República, cerimónia que poderia demorar alguns meses a ter lugar: não era formalmente adequado pedirem audiências aos governadores dos Estados, muito embora tivessem toda a liberdade para se encontrarem com ministros ou quaisquer outras personalidades oficiais, imediatamente após a sua chegada ao país.

Num desses meus primeiros dias de Brasília, recebi da portaria da embaixada a indicação de que estava lá o governador do Ceará, Lúcio Alcântara, que pretendia ver-me. Recebi-o de imediato e disse-me, logo à entrada, esta simpática frase: "eu sei que o embaixador, por enquanto, não vai poder  solicitar qualquer encontro comigo. Mas a mim nada me impede de vir ter consigo, para o cumprimentar e desejar-lhe todas as felicidades no seu novo posto".

Nunca esqueci este gesto de Lúcio Alcântara. Nas várias vezes que fui ao Ceará, oficial ou particularmente, encontrava-o com regularidade, estabelecendo com ele uma sólida relação de amizade, que consagrava também a permanente atenção que ele sempre dava aos interesses portugueses no Estado. Quando deixou o cargo de governador, lembro-me de lhe ter telefonado, cinco minutos antes da meia-noite, hora do termo das funções, para lhe dar um abraço de amizade e respeito. Recordo ainda a sua amável presença no jantar da minha despedida que, em 2008, foi organizado em Fortaleza pela nossa comunidade no Ceará.

Esperava poder encontrar o governador Lúcio Alcântara na cerimónia que teve lugar em Fortaleza, no dia 7, durante a qual me foi entregue um prémio pela comunidade luso-brasileira do Ceará. Fui informado que ele não estaria presente, por estar no estrangeiro, mas não deixei de o mencionar na intervenção que fiz na ocasião, contando, aliás, o modo simpático como nos tinhamos conhecido.

Regressei do Ceará ontem, de manhã. À tarde, nas escadas de acesso a um parque de estacionamento, em Lisboa, com quem deparei? Com o antigo governador do Ceará, Lúcio Alcântara. Ainda dizem que não há coincidências... 

segunda-feira, junho 10, 2013

Dez sonhos para o dez de junho

O nosso problema nacional visto por dez portugueses, nos quais tive o gosto de ser incluído.

Ver aqui.

domingo, junho 09, 2013

Regresso ao Brasil

Gostei muito de regressar ao Brasil, ainda que por escassíssimos dias, transformando-me numa espécie nova do "português-de-torna-viagem". Vim ao Ceará, cuja comunidade luso-brasileira teve a imensa simpatia de se lembrar de mim, para um prémio anual que atribui. Um gesto e um convite que me confirmaram que os tempos em que por aqui trabalhei não foram em vão.

As relações entre o Brasil e Portugal têm ciclos muito distintos entre si. Ao tempo em que chefiei a embaixada portuguesa em Brasília, a grande vaga de entusiasmo pelo investimento português no Brasil já se tinha atenuado um pouco. As primeiras desilusões faziam-se então sentir, alguns investimentos passavam por uma reconversão ou redimensionamento, muitas PME's testavam ainda a sua aventura num mercado que tem caraterísticas muito peculiares e uma cultura administrativa que não é óbvia para quem vem da Europa. Ao tempo, a tibieza do investimento brasileiro em Portugal continuava a ser a regra do jogo, embora alguns novos sinais positivos fossem já evidentes, que aliás vieram a confirmar-se no futuro. O comércio bilateral chegou a crescer a olhos vistos, mas o escasso valor acrescentado e a natureza dos fluxos tornava as taxas de crescimento mais espampanantes do que aquilo que era o seu real impacto sobre as respetivas balanças comerciais. O turismo comportava-se bem: compensando a redução da vaga portuguesa para o Nordeste, que, confesso, sempre interpretei como conjuntural, o Brasil passou a descobrir Portugal como destino, num ritmo ajudado pela TAP e pelo comportamento do real face ao euro.
  
Esses eram também os tempos de uma forte vaga migratória brasileira para Portugal, gerida pelos governos de Lisboa com uma assinalável abertura. Nem sempre o Brasil entendeu bem que era inviável para nós - um país do tamanho de Pernambuco e com a população do Paraná - abrir, por completo, as portas da legalização a todos os brasileiros que nos procurassem. Mesmo assim, cerca de 120 mil brasileiros andavam então, legal ou ilegalmente, por Portugal (em percentagem, face à população portuguesa, era a mesma coisa que tivessem vindo para o Brasil, em escassos anos, bem mais de 2 milhões de portugueses!). Aliás, os portugueses que, nesses tempos, procuravam o Brasil também se defrontavam com restrições à sua fixação, nomeadamente ao reconhecimento das suas qualificações. É da lógica das coisas que cada Estado procure acautelar os seus interesses nacionais, apenas se exigindo que isso seja feito com transparência e sentido de reciprocidade, desligados de qualquer deve-e-haver histórico.

As coisas deram, entretanto, algumas importantes voltas. A crise económica internacional revelou cruelmente as fragilidades da nossa economia e, pelo tempos mais próximos, as suas incontestáveis limitações e o seu potencial de relevância no contexto da economia brasileira. Os fluxos migratórios inverteram-se de novo, com tudo o que isso acarreta na mudança das premissas da equação bilateral. Perante um Brasil em cuja incontestável pujança económica surgem também algumas preocupações, que o passado mostrou que podem, com facilidade, redundar em atitudes de menor abertura, fico com a sensação de que a presença empresarial portuguesa passa hoje um período menos otimista ou, pelo menos, com algumas interrogações longe de superadas.

A relação bilateral vive, assim, e naturalmente, um tempo diferente. O qual, em certos domínios, poderá ter de aguardar por melhores dias, o que coloca novos problemas e, por isso mesmo, exige respostas criativas. Estou confiante em que, com o tempo, as soluções acabarão por surgir, tanto mais que as diplomacias portuguesa e brasileira dispõem hoje, respetivamente em Brasília e em Lisboa, de dois embaixadores de uma rara qualidade. Mesmo se a melhor diplomacia não consegue resolver tudo, se não tem condições para superar certas idiossincrasias e os correlativos impactos, tenho a certeza que ela se constituirá sempre como um suporte seguro para a preservação da dose necessária de realismo. Porque estou convicto que os interesses comuns, a prazo, apontam no mesmo sentido, qualquer que seja a perceção que disso possam ter as atuais lideranças em ambos os países.

sábado, junho 08, 2013

Dia de Portugal

Vem aí mais um Dia de Portugal. Infelizmente, não vou poder aceitar o convite para estar presente na cerimónia em Elvas, experimentando a minha nova e curiosa qualidade de membro do corpo diplomático em Portugal, enquanto diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. O avião que me trará do Brasil não chegará a horas que me possibilitem a deslocação a Elvas.

Todos os anos, olho sempre com alguma curiosidade para a lista dos condecorados no Dez de Junho. Por ela confirmo juízos sobre pessoas cuja ação meritória o país entendeu finalmente dever reconhecer publicamente (lá figura um nome que, como embaixador, eu próprio já havia proposto por mais de uma vez), aprendo a respeitar nomes de compatriotas que se distinguiram em domínios às vezes insuspeitados e encontro, aqui ou ali, escolhas que me parecem francamente deslocadas, num juízo de aquilatação relativa. Outros, nomeadamente os que tomam essas decisões, pensarão de forma oposta à minha, claro. É da natureza destas coisas nunca serem totalmente consensuais, embora o bom senso recomende que devam sempre tender a sê-lo.

Há precisamente uma década, também eu subi ao palanque para receber, das mãos do chefe do Estado, a mais elevada comenda a que qualquer servidor público pode ambicionar, atribuída por razões então divulgadas, que me não cabe a mim julgar ou agora reiterar. Digo isto para que se compreenda que o que a seguir vou dizer não pretende vantagens em causa própria.

Ao longo dos anos, um pouco como acontece com os militares, havia-se criado a regra de distinguir, no Dia de Portugal, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, um embaixador de Portugal que, por uma carreira distinta ou por ações diplomáticas "valerosas" (como disse o poeta que marca o dia), se houvesse destacado na execução dessas suas funções públicas. Era um testemunho de reconhecimento do Estado em domínios de soberania que, pela sua seletividade e raridade, funcionava, entre nós, como uma espécie de "benchmark" de mérito (embora, também aqui e uma vez mais, a doutrina por vezes se dividisse quanto à justeza da escolha feita). E era um gesto que, do mesmo modo, não deixava de ter algum significado perante os nossos pares estrangeiros, bem como face aos países onde estávamos ou iríamos ser acreditados. Os outros Estados, onde estas coisas também se praticam, frequentemente em moldes similares, sabem bem interpretar o que significava terem, como representante diplomático português, um embaixador titular da mais elevada condecoração do seu país.


Agora, de há uns tempos para cá, ou é desatenção minha ou desapareceram embaixadores nas listas dos condecorados no Dia de Portugal. Não quero fazer disto uma polémica, mas, com esta realidade, pode criar-se a impressão de que a função diplomática terá decaído nas tabelas de apreciação dos poderes públicos. Se assim fosse, isso seria de uma imensa injustiça e motivo de grande estranheza. É que, com ênfase, regularidade e de uma forma que não quero crer ser apenas retórica, quer o chefe da diplomacia quer o chefe de Estado têm vindo a destacar o importante e cada vez mais difícil trabalho que, em particular nos últimos anos, é discretamente realizado pela carreira diplomática portuguesa, na tentativa de salvaguarda do prestígio e dos interesses do país na ordem internacional. Assim, só posso deduzir que, não devendo essa perceção negativa corresponder à realidade, haverá novos critérios, seguramente ponderosos mas que, para mim, não são nada evidentes.

sexta-feira, junho 07, 2013

Somas

Leio no "Expresso" online há pouco:  "PS e PCP já valem 50% juntos".

Há fantasias aritméticas que, por mais ridículas que sejam - e esta é-o! -, não são inocentes quando publicadas! 

Facas

Estar em Nova Iorque, como embaixador, aquando dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, tornou-me testemunha de um agravamento súbito das regras de segurança que passaram a vigorar em toda a sociedade americana e que logo se espalharam pelo mundo. Em particular, assisti à compreensível histeria que passou a marcar as viagens aéreas, dando origem ao modelo, mais ou menos generalizado, que hoje vigora e que transformou a generalidade dos aeroportos em locais desagradáveis, morosos e fatigantes.

(Uma curiosidade: três décadas antes do 11 de setembro, nos anos 70, recordo-me que o "shuttle" aéreo entre Washington e Nova Iorque funcionava da seguinte forma: colocávamos a bagagem num balcão, recebíamos uma senha para a recuperar mais tarde, davam-nos uma outra senha numerada para embarcar, os lugares não eram marcados e pagava-se o bilhete às hospedeiras já a bordo, durante a viagem. Controlo de segurança era um conceito desconhecido. Aqui sim, pode aplicar-se com propriedade a expressão "bons tempos".)

Ontem, ao viajar na TAP entre Lisboa e Fortaleza, dei por mim a refletir sobre o facto dos talheres da refeição serem todos de metal. E a recordar que, aqui há uns anos, no serviço de bordo de muitas companhias aéreas, mesmo em primeira classe e classe executiva, só havia, durante muito tempo, facas de plástico, mesmo já em épocas anteriores ao 11 de setembro. O curioso é que essa medida de "segurança" coexistia com o uso corrente de garfos metálicos e de copos, bem como de pequenas garrafas de vidro, instrumentos que, no caso de uma ação violenta, seriam tanto ou mais perigosos que as facas. Sendo que os riscos não parece terem diminuído, já me tenho perguntado por que raio de lógica, nesses tempos, as facas eram de plástico e sã hoje de sólido metal. Que mudança de critério terá tido lugar na cabeça dos especialistas? E, já agora, qual é a razão pela qual, ainda hoje, não nos permitem viajar com uma navalha ou um canivete mas, logo de seguida, nos põem à disposição facas metálicas?

Não se veja no que acabo de escrever uma qualquer defesa do regresso às sinistras facas de plástico, aliás inusáveis em bifes e com as quais tive "acidentes" gastronómicos que só quero esquecer. Mas devo reconhecer que, tendo hoje direito no voo a uma faca operacional à mão, só os meus bons instintos (e o bom senso) me impediram de a utilizar para ameaçar um bando de energúmenos, exprimindo-se numa conhecida fala ibérica, que arengaram e gargalharam alto durante as mais de sete horas da viagem, não deixando descansar quem o consegue fazer em aviões ou quem, como é o meu caso, não conseguindo dormir, quer simplesmente ler, trabalhar e que ninguém o aborreça. 

quinta-feira, junho 06, 2013

Aprendizagem de uma nova vida

Afinal, não aprendo nada. 

Nos últimos anos, em Paris, confrontado com uma vida diária muito cheia, fui alimentando a ilusão interior de que, regressado que fosse a Portugal, a minha vida mudaria drasticamente. Planeei idas a museus, assiduidade a concertos, encontros com amigos, leitura de livros atrasados, revisão de filmes que havia perdido, audição de conferências (este post nasce da constatação de que faltei ontem a uma imperdível conferência de Jacques Delors).

Comecei a minha "reforma" assim, com esta ilusão. Ela durou escassos dias.

O confronto com a realidade provou-me que tudo é muito diferente. A agenda começou a encher-se, as viagens a aumentar, os compromissos encavalitam-se uns sobre os outros e a dificuldade em dizer não a uma multiplicidade de solicitações, feitas por amigos interessados, revela-se em todo o seu esplendor. De início foram apenas algumas entrevistas, depois começaram os livros para apresentar, os colóquios e ofícios correlativos em que sou convidado a participar, bem como alguns estimulantes exercícios de "brainstorming" sobre temáticas internacionais em que, com algum prazer, me envolvo. Acresce que Lisboa é uma cidade pouco "friendly" para deslocações, com um tráfego imprevisível. Os eventos começam frequentemente mais tarde do que estava previsto, prolongando-se para além da hora. Eu próprio gosto de ficar a conversar, a rever gente, a "ganhar" tempo, perdendo-o. E, no topo de tudo isso, chego ao fim do dia (Eu sei! É a idade...) derreado, com pilhas de jornais por ler, a pedir "sopas e descanso", "zappando", num sofá, entre dois sonos e vários canais. Nem ao "Procópio" já vou com a assiduidade costumeira e a que o dever de tertúlia obriga.

Está bem, mas há os fins-de-semana! Pois isso! Ainda ontem respondi a um amigo que, daqui até ao final de julho, só tenho duas datas livres para almoçar, em sábados ou domingos. E descobrir, como fiz hoje, que tenho três textos por concluir, duas conferências para preparar, pilhas de (novos) livros por ler, que há meses que não paro meia hora para ouvir uma música, que já saiu de cena aquela peça que queria muito ver. E que nem consegui uma hora para ir à feira do livro! Que, em quatro meses, não fui a um único cinema! Que diabo! Terá de ser sempre assim?

Bom, afinal sempre aprendi qualquer coisa: no fundo, tenho esta vida apenas porque quero. Ninguém ma impõe. As escolhas são sempre nossas. Mas, como diria o Variações, "o corpo é que paga". Pelo que o verdadeiro aforismo é: quem corre por gosto também cansa.

quarta-feira, junho 05, 2013

Adeus, António

Está bem! Por uma e última vez, faço-lhe a vontade, trato-o por António, coisa que nunca antes fiz, muito embora você me tivesse notado o ridículo que era o facto de que, sendo nós tão amigos e tão próximos, eu teimasse em tratá-lo sempre por “embaixador”. 

Faço-o agora e na hora da sua morte, que há dias por aqui pressenti. Quer saber agora porque persisti nesse tratamento cerimonioso? Porque, não obstante, ao longo da minha carreira, ter sido chefiado por vários outros embaixadores, de quem sempre fiquei amigo, devo-lhe a si, António, a mais humana leitura do modo como se deve estar nesta “arte” de nos representar pelo mundo, com atenção aos outros, com a perceção e o respeito pela diferença, com a sua incessante curiosidade pelo novo e, muito em particular, pelo seu sentido patriótico no exercício de uma tarefa única, que, salvo para um bando de ignorantes patetas, estará sempre muito para além de uma simples profissão.

Um dia, espero ter tempo e engenho para contar as nossas divertidas aventuras nessa Luanda de uma Angola em guerra, as conversas pelas noites da Anunciada Velha (onde pensávamos, precisamente este ano, passar uns serões consigo e com a Sofia, repetindo uma saltada aos petiscos vizinhos, na dona Céu), os dias em que estivemos em Itália, onde eu lancei, para sua irritação, o "neovaticânico" conceito das “tostas místicas”, consigo a levar a sério a minha “ameaça” de lhe cortar, do quadro do pessoal, o conselheiro eclesiástico – o mesmo que, há pouco, na Estrela, oficiou religiosamente, perante os muitos amigos seus que ali vieram, a sua derradeira despedida.

Há semanas, falámos pela última vez, por uns minutos breves, no ambiente assético dos cuidados intensivos do hospital. No meio de temas que lhe iam e vinham à memória já frágil, revelou-me então que gostaria de ter escrito mais sobre a Alemanha, onde havia passado um tempo que foi histórico. Estava muito cansado, com as forças e as conversas a fugirem-lhe. E senti-o a afastar-se irremediavelmente de todos nós. Isso aconteceu agora.

Fico feliz pelo facto de, um dia, me ter dado o gosto de prefaciar o seu “Diário da Guiné”. Nele deixei o mais sincero retrato que consegui fazer de si, ao longo destes anos de amizade imaculada, de imenso respeito e admiração pelo “meu embaixador”. Reproduzo as últimas linhas desse prefácio, sobre o seu papel como diplomata, como homem e, principalmente, como português:

“Ele representa um país, e representa-se nesse país, que sabe ser uma ilusão melhorada do Portugal oficial que existe por detrás das ordens que recebe, e escuda-se sempre, com um inquebrantável optimismo, na sua visão do que Portugal poderia ser: um país de bem, tomado por uma alegria que não seja apenas breve, capaz de sustentar o sucesso, uma terra de tradições saudáveis, de palavra respeitável, pátria suculenta de sopas de favas e de primas em férias, de caturreiras à lareira das ilustres casas, pelas cidades e as serras da memória feliz de tempos que porventura também nunca existiram, a não ser na imaginação de quantos, saudavelmente, ainda acreditam num certo Portugal eterno. Como António Pinto da França.

Era assim, António, era assim que eu o via. É assim que o recordarei, com uma imensa saudade e um forte e muito amigo abraço nosso à coragem ímpar da Sofia.

terça-feira, junho 04, 2013

A via farmacêutica para o socialismo

"Há aqui uma única preocupacão que é a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde a todo o custo, apontando todas as baterias para o setor privado, quando, em tudo quanto é de responsabilidade de gestão do Ministério da Saúde, não há dúvidas que aí é muito permissivo" (...) "O que se passa é que muitas vezes o setor privado tem medo e não enfrenta o Estado".

Quem disse isto hoje numa entrevista ao "Diário de Notícias"? Algum conservador radical desiludido com o facto do Governo não estar a ir suficientemente para "além da troika"?

Não! O candidato do PS à Camara Municipal de Cascais!

Em tempo: também no "Diário de Notícias", mas de 5 de junho, vem publicado o seguinte: "O secretário de Estado adjunto da Saúde, Leal da Costa, disse ontem que Portugal vai precisar de um Serviço Nacional de Saúde "eminentemente público", "por muitos e longos anos". É muito interessante contrastar esta declaração de um político de um governo conservador com a posição de um candidato autárquico do PS.

Sondagens

Com um bom amigo polaco, que veio beber comigo uma Wiborowa gelada ao bar do Hyatt, aqui em Varsóvia, ao final da noite de ontem, comentei as sondagens que, segundo a imprensa de ontem, punem de forma pesada o primeiro-ministro da Polónia, Donald Tusk, curiosamente nas vésperas da sua visita oficial a Portugal.

Veio então à baila, por similitude, o grau de popularidade dos atuais dirigentes politicos portugueses e, com algum realismo, não pude deixar de comentar que, no nosso país, os governantes também estavam a obter muito maus resultados nas pesquisas de opinião.

Com cara séria, o meu amigo polaco comentou:

- Eu sou muito cético! É sempre prudente desconfiar das sondagens. É que, muitas vezes, elas dizem a verdade...

segunda-feira, junho 03, 2013

Polónia

Por razões que seria fastidioso explicar, mas que se prendem essencialmente com a leitura que faço dos equilíbrios desejáveis no seio da União europeia e da Europa - que são coisas um pouco distintas - fui sempre um apologista da entrada da Polónia nas instituições comunitárias. Aculturei essa perceção com António Guterres, cuja determinação europeísta cedo soube marcar o rumo oficial português perante o processo de alargamento.

Cheguei há algumas horas a Varsóvia, para encontros profissionais, no quadro da minha nova vida de "ex-aposentado" - para recuperar a feliz designação que me foi atribuída por um comentador deste blogue. Já aqui não vinha há uma década. Entre 1995 e 2003, visitei várias vezes a Polónia, sempre em trabalho, acompanhando António Guterres e o presidente Jorge Sampaio, mas igualmente para proferir conferências (duas vezes no magnífico Instituto europeu de Natolin, outra a convite de antigo MNE Bronislaw Geremek, para falar a jovens polacos, no âmbito da Fundação Jean Monnet, a que presidia) ou a chefiar missões bilaterais. Também no âmbito da OSCE me desloquei a Varsóvia, ido de Viena. (O meu amigo e ex-jornalista do "Expresso" Luís Tibério espalhava aos quatro ventos que, durante anos, quando me tentava telefonar, eu estava sempre na Polónia....). Tive e tenho excelentes amigos polacos, na política como na diplomacia, todos tributários de uma cultura marcada por tempos muito difíceis, exigentes e frequentemente bem trágicos. E por uma magnífica capacidade de saber "dar a volta por cima" às coisas.

De cada vez que volto à Polónia fico surpreendido com a vitalidade deste país, com o seu crescimento, com a sua vontade de se afirmar como um poder sólido no contexto europeu. Conheço as linhas dominantes do pensamento estratégico que por aqui se cultiva, as preocupações com a evolução recente da Rússia, mas, igualmente, o cuidado posto no processo político que se desenvolve em dois vizinhos complexos: a Ucrânia e a Bielorrússia. E, naturalmente, é sempre importante acompanhar o sentido do diálogo entre Varsóvia e Berlim, bem como os vários capítulos da particular relação da Polónia com os Estados Unidos, agora que a França passou a contar menos na sua política de alianças. Um país não escolhe os seus vizinhos, pelo que há que perceber que, muitas das vezes, a sua liberdade para selecionar os seus amigos está ligada aos imperativos ditados por essa mesma vizinhança. E a Polónia contemporânea sabe bem perante quem tem uma dívida de gratidão, seja na ajuda à sua libertação da tutela soviética, seja, mais tarde, na sua integração europeia, com a liberdade e o progresso que daí lhe adveio.

Há semanas, num debate em Lisboa comemorativo do dia da Europa, contei uma história que me foi relatada, um dia, por um amigo polaco, nascido em Varsóvia, no final da guerra. A capital polaca era então uma montanha de escombros. Esse meu amigo cresceu nesse ambiente, que estava, no tocante a Berlim, muito bem retratado no impressionante filme de Rosselini cuja projeção tinha antecedido as nossas intervenções (de Viriato Soromenho Marques, de José António Pinto Ribeiro e de mim próprio, para além de representantes das embaixadas francesa e alemã em Portugal). Um dia, os pais desse meu amigo, então com cinco ou seis anos, levaram-no a Cracóvia. Era e é uma belíssima cidade, felizmente poupada pelas destruições da guerra, que fica próxima do campo de concentração de Auschwitz. Para esse amigo, então muito jovem, a surpresa foi imensa: no seu imaginário de criança, habituado à "paisagem" de Varsóvia, todas as cidades eram ruínas. Ora, afinal, havia cidades onde as casas estavam de pé, onde a guerra não parecia ter passado. 

Na minha intervenção no debate, procurei explicar que nós, em Portugal, durante a segunda guerra mundial, vivíamos como que "em Cracóvia", pelo que nunca poderemos entender verdadeiramente a Europa se não soubermos estar à altura das preocupações de quantos experimentaram um mundo bem mais dramático, feito de guerra, de morte, de ocupação, seguido de um totalitarismo violento, reciclado por ondas repressivas, que se prolongou por décadas. Não é, assim, de estranhar que esse países valorizem o desenvolvimento que entretanto obtiveram, à custa de imensos sacrifícios e renúncias. E que tudo isso molde a sua idiosincrasia nacional.

Nota: as belas casas que se vêm na imagem, na clássica praça Rynek, são reproduções feitas com base em documentos e desenhos anteriores à segunda Guerra mundial, um trabalho que só ficou concluído em 1962. Depois do conflito, a praça era apenas um amontoado de pedras e ruínas. 

domingo, junho 02, 2013

Declaração de inveja

Agora sim! Encafuado por algumas horas num "lounge" do aeroporto de Charles de Gaulle, esperando um avião para leste, e ao olhar, lá fora, o belo sol parisiense, revelo a minha assumida inveja pelo que deverá ser o ambiente, a alguns quilómetros daqui, no Jardin du Luxembourg. 

Só posso desejar que os meus amigos de Paris aproveitem o que por aí vier de verão, depois de todos estarmos a atravessar o longo inverno do nosso descontentamento. Em Portugal, finalmente!, parece que já há sol, talvez porque a "troika" ainda não consegue controlar isso. Ou talvez seja, como diria a Simone, o nosso "sol de inverno". 

Ainda os Balcãs

Um dia, contei neste blogue o seguinte episódio:

Foi há menos de 10 anos, em Sarajevo, a martirizada capital da Bósnia-Herzegovina. Era um jantar a que estava presente, como convidado e amigo do nosso representante diplomático, um membro do governo daquele país.

O equilíbrio político na Bósnia-Herzegovina, um país resultante da fragmentação da antiga Jugoslávia, é muito difícil, dado que, do executivo, fazem obrigatoriamente parte representantes de três diferentes etnias, com um complexo historial de conflito entre si: bósnios, croatas e sérvios. Não quero recordar a qual dos grupos étnicos pertencia o convidado local dessa noite.

O jantar tinha um caráter relativamente informal, no jardim da residência. Como não podia deixar de ser, a conversa cedo derivou para a política.

A certa altura, veio-me à memória que numa das minhas visitas a Sarajevo, nos anos 90, tinha conhecido um membro do governo da Bósnia-Herzegovina, pertencente a uma dessas minorias. Era um homem agradável e cordial, com quem eu havia criado uma forte relação de simpatia. Voltaria a encontrá-lo mais tarde, por duas vezes, na Grécia, onde ambos tínhamos ido a convite pessoal de Georgios Papandreou, atual primeiro-ministro, de quem éramos amigos. Perguntei por esse antigo ministro da Bósnia-Herzegovina.

Notei que o nosso convidado ficou um pouco embaraçado, mas respondeu:

- Está na Haia.

Ao meu lado, uma pessoa menos dada a interpretar, com a rapidez da nossa profissão, este tipo de informações, perguntou:

- Como embaixador?

Não sei se fui eu que me adiantei ou se foi o ministro que esclareceu que "estar na Haia" significava estar detido sob ordem do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, que julga os crimes de guerra e que tem sede na capital dos Países Baixos.

Como dois diplomatas portugueses presentes bem se lembrarão, mudámos logo de conversa...

Terão reparado que omiti no relato o nome do político em causa. Ontem, ao abrir um jornal, dei-me conta que o croata Jadranko Prlic - era ele a figura a quem eu me referia -, acaba de ser condenado pelo TPI para a antiga Jugoslávia a 25 anos de cadeia. Não posso deixar de ter um pensamento para a sua mulher e filha, pessoas bem simpáticas com quem muito conversámos, em tempos em que Jadranko ainda não tinha sido chamado a pagar pelos crimes que terá cometido.

Nota: O mapa acima publicado mostra ainda o Kosovo como "província autónoma" da Sérvia. Hoje, o Kosovo foi declarado país independente, embora esse estatuto continue a ser contestado pela Sérvia e não seja reconhecido por importantes setores da comunidade internacional. O mapa (que pode ser aumentado nele clicando) revela bem o "puzzle" étnico da região.

sábado, junho 01, 2013

Chuva

Com um calor "de rachar" em Portugal, será que há alguma coisa mais chata do que um dia frescote de chuva, com trovoada à mistura, como aquele que tenho aqui por Podgorica? Deve haver, mas é preciso procurar muito. 

Talvez só um dia molhado, na pasmaceira novecentista de Oliveira de Azeméis, com o Artur Corvelo e o Rabecaz a remoerem a nostalgia, feita de saudades definitivas da Lola, da Concha e de Lisboa, depois de uma bilharada melancólica na Couvada. Há sempre um Eça para tudo, felizmente.

A propósito, deixo este clássico de B.J. Thomas.

O fim das teimosias

Lembram-se dos tempos em que, numa tertúlia de amigos, num bar ou num café, debatíamos longamente se era mesmo aquela atriz girota quem entrava como personagem secundária num certo filme, se o escritor fulano era ou não equatoriano de nascimento, qual era o nome do secretário de Estado que tinha substituído um outro num determinado governo, as palavras exatas da última estrofe daquela canção, se uma citação estava precisa ou não? O tira-teimas só se fazia mais tarde, quando alguém obtinha a prova irrefutável da razão que lhe assistia.

Dou por mim numa mesa da "Gomes", em Vila Real, na minha adolescência, com o Albano Tamegão e o Guilherme Sanches, a desunharmo-nos em torno do nome certo da capital de uma ilhota do Pacífico ou daquela canção secundária dos Beatles. Numa tarde, na "sala verde" do ISCSPU, procurei, durante quase uma hora, com o Manuel Dinis e o Alexandre Chaves, recordar a designação de uma tasca de bons petiscos, lá para o Norte, em lugares que só o nosso comum exílio no Sul chamava à conversa. Atrasava-nos a entrada ao serviço na Caixa, depois do almoço, no Calhariz, encostados à montra da "Bijou", a teima, com o Murta e o Aldeia, em torno de quem tinha provocado um certo penalti ou se tinha sido o Oliveira Duarte ou o Nóbrega quem entrara para a ponta esquerda, na segunda parte de um certo jogo da seleção, em substituição do Simões. Lembro-me de discussões, com o António Franco e o Miguel Lobo Antunes, na parada da EPAM, sobre quem fazia parte de uma velha lista associativa ou o cargo exato de um ministro desse antigamente, procurando encher aquela vida fardada de verde, na insuperável estupidez dos dias de tropa. Levavam tempos infindos os debates no "Montecarlo", com o António Quelhas ou o Zé Carlos Serras Gago, à volta de uma expressão exata usada pelo Poulantzas ou pelo Daniel Guérin num determinado livro. Ainda me vêm à memória teimosias acaloradas, nos jantares no Trópico, em Luanda, com o Fernando Andresen e o Zé Guilherme Stichini Vilela, com os meios para provar quem afinal tinha razão numa caturreira qualquer (embora eu tivesse levado para lá a minha "Encyclopaedia Britannica") a milhares de quilómetros de distância. E, para sempre, ficaram-me madrugadas longas no "Procópio", onde, também a propósito  de um facto ou de um nome, cruzávamos vários bitaites, com a memória de elefante do Nuno Brederode ou o gosto pela trívia do António Dias a ganharem quase sempre a partida.

Onde isso vai! Falava deste assunto ontem, ao jantar, com amigos eslovenos e letões, nos arredores de Podgorica, capital do Montenegro, na varanda da um restaurante sobre o Morača, o rio de onde tinham saído as trutas que nos serviam, regadas a um sucedâneo vinícola local.

(Diga-se que, em jeito de trutas balcânicas, não estavam à altura de umas que, com a Ana Gomes e o António Monteiro Portugal, comi um dia em Pale, na República Srpska, a poucas centenas de quilómetros daqui, e, claro, não aguentavam o exigente "benchmark" das que o saudoso "Santa Cruz" servia, lá por Boticas, lardeadas com presunto).

Tudo isto para dizer que chegámos à conclusão que o Google (ou o Yahoo! ou o Bing, para os mais esquisitos), convocado pelo iPhone ou pelo Blackberry de alguém, veio acabar em definitivo com essas discussões, porque agora, em breves segundos, ficam resolvidas todas as dúvidas e se evita bruscamente o prolongamento dos argumentos, por mais contraditoriamente sábios que eles sejam. 

É muito melhor assim? Claro que é! Mas que esses tempos de grandes e teimosas discussões tinham a sua graça, lá isso tinham...

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...