sexta-feira, agosto 28, 2009

"Nègres"

Alguns políticos franceses, como aqui já se referiu um dia, publicam regularmente livros, seja de reflexões temáticas, seja de memórias, seja - o que é ainda mais frequente - de ambições. De quando em vez, parte dos actores da vida política no activo sente necessidade de fazer uma espécie de "prova de vida" escrita. Isso leva-os à televisão, aos jornais e aos espaços nas mesas e estantes que as livrarias acordam com as distribuidoras. Os livros com êxito têm críticas nos jornais ou revistas e, muitas vezes, acabam mesmo por ter edições "de poche" - suprema glória. Quando não caem no goto dos leitores, a cobertura fica-se por umas meras recensões. Nestes casos, semanas depois, tais livros desaparecem da vista. Ou melhor, aparecem já pelos "bouquinistes", então a preço convidativo.

Foi agora revelada uma estatística curiosa: cerca de 80% dos livros subscritos pelos políticos franceses são, na realidade, redigidos por colaboradores, aqui chamados de "nègres" ou, numa versão mais simpática, de "plumes". Porque é que isso acontece? Por falta de tempo ou, as mais das vezes, por falta de jeito. Mesmo figuras com reconhecida capacidade própria de escrita, como De Gaulle, Pompidou, Mitterrand ou, mais recentemente, Dominique de Villepin, não dispensaram a ajuda constante de colaboradores para a produção das suas obras.

Esta nota destinou-se a criar o cenário para uma brevíssima história que ontem o "Le Point" trouxe, ocorrida entre dois políticos proeminentes, que mantinham entre si uma relação de ácida cordialidade. Um deles, ter-se-á virado para o outro e disse: "Vi que publicaste um livro. Quem to escreveu?". O interlocutor não respondeu, mas inquiriu: "E quem foi que o leu por ti?".

Aqui em França, tal como em outros lugares, a vida política é um espaço insuperável para a expressão de carinhosas manifestações de simpatia.

8 comentários:

DL disse...

Creio ter sido Alexandre Dumas que popularizou o termo "nègres" para designar esses escritores anónimos a contrato, aos quais recorria frequentemente. Era costume, antes, chamar-lhes "tintureiros" pois tinham como função dar cor a narrativas frouxas e cinzentas. Os de hoje têm a tarefa dificultada pelo cinzentismo das personagens que (auto)biografam.

Anónimo disse...

Essa história do “Le Point” é de um humor finíssimo, delicioso, sublime! Grande abraço Francisco!
P.Rufino

Anónimo disse...

Essa história do “Le Point” é de um humor finíssimo, delicioso, sublime! Grande abraço Francisco!
P.Rufino

Anónimo disse...

Essa história do “Le Point” é de um humor finíssimo, delicioso, sublime! Grande abraço Francisco!
P.Rufino

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador,confesso-lhe, estou velha!E uma parte desse envelhecimento deve-se a si. Explico.
Todos os dias o visito. Mas o Senhor prega-me partidas. E quando penso que estou com a leitura actualizada, vem daí outro post, que desafina o meu primor. Logo, passei a visitá-lo duas vezes por dia. E, se não me acautelo, fico novamente desactualizada.
O que vale é que tudo o que escreve me enriquece. Logo, espante-se, bendigo a velhice!

Helena Sacadura Cabral disse...

A história é deliciosa de facto. Quem serão os "nègres" entre nós?
Ui!Ui!

Francisco Seixas da Costa disse...

É por ter leitoras fiéis como a Dra. Helena Sacadura Cabral que este blogue prossegue. Embora, a partir da próxima semana ele entre num ritmo mais sereno, para me dar a possibilidade de gozar mais alguns dias de férias.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Um dos nègres de Mitterrand foi um famoso escritor, Erik Orsenna, que publicou um delicioso romance, L'Exposition Coloniale, que se passa em grande parte no Brasil.
No serviço diplomático brasileiro há um famoso dito que pretende que "você só publica ensaios quando não mais os escreve", aludindo à conhecida tendência de embaixadores seniores da carreira de pedir a secretários que escrevam alguma coisa pois que eles receberam um convite de algum grande veículo de comunicação para publicar um artigo.
Eu mesmo escrevi vários artigos para embaixadores, e quase um livro inteiro...

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