sexta-feira, julho 17, 2015

Diplomacia


Quando ocorre uma guerra, costuma dizer-se que a diplomacia falhou. Quando "não ocorre" uma guerra, graças à ação da diplomacia, ninguém põe a crédito desta os mortos, os sofrimentos e os prejuízos que se pouparam. A diplomacia é a arte discreta de tentar fazer pontes, compromissos, de fazer "não acontecerem" as guerras ou outros conflitos de monta. Assim, é difícil ser elogiada pelo que (de mal) não aconteceu...

Porque uma ação diplomática foi titulada a um nível elevado, o caso do entendimento conseguido com o Irão, que envolveu a generalidade da comunidade internacional - mas, essencialmente, os EUA, a França, o Reino Unido, a Alemanha e a UE -, ela acabou por dar um inusitado relevo ao papel da negociação e da diplomacia. E, pelo menos nos tempos mais próximos, terá evitado ações militares que, em certos momentos, pareceram iminentes.

Recordando: o Irão tinha enveredado por um programa de enriquecimento de urânio que foi considerado prelúdio para a construção de uma bomba atómica. Teerão argumentava que o objetivo era civil; o mundo suspeitava que a finalidade era militar. A relutância iraniana em permitir uma fiscalização por parte da Agência Internacional de Energia Atómica adensou as suspeitas e acabou por levar à imposição de duras sanções económicas. O braço-de-ferro prosseguiu por muitos anos e, finalmente, o Irão cedeu e as sanções vão agora ser levantadas, persistindo ainda algumas limitações à importação de armas convencionais pelo país. Esta é uma vitória da persistência, do diálogo, da não-cedência ao tropismo jingoísta de alguns. É uma vitória do bom-senso.

Os Estados Unidos são um poder estranho. Na sua ciclotimia externa, hesitam entre um unilateralismo arrogante, frequentemente agressivo, e a busca de compromissos  abrangentes. Na matriz de todas as suas intervenções está a preeminência absoluta do seu interesse nacional (o que é natural), sempre identificado como sendo o indiscutível interesse da comunidade “do bem” (o que, frequentemente, é bastante duvidoso). Com o seu antigo poder colonial, Washington terá aprendido que “não tem amigos, tem interesses”. Com o tempo, tem vindo a entender que, às vezes, é do seu interesse ter amigos...

Esta operação diplomática de sucesso dos EUA no Médio Oriente não vai nunca redimir o imenso erro do Iraque, que todos estamos ainda hoje a pagar, a começar pelo próprio Iraque. Mas é, com toda a certeza, o produto das “lessons learned” nesse cenário, confirmando a velha máxima de que os Estados Unidos acabam sempre por encontrar a melhor solução, mas só depois de terem experimentado todas as outras...

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

6 comentários:

patricio branco disse...

queira-se ou não, há que contar com os eua a uma escala global, em grande parte dos assuntos estratégicos a nivel mundial. a sua grandeza e peso económico, político, militar. invadiram o iraque, certo, mas foram em defesa do kuwait e expulsaram os iraquianos, como vieram em defesa da europa contra a alemanha em 1943.
houve coisas feias, o apoio ao golpe de 73 no chile, mas entrava na lógica da guerra fria e de evitar o progresso do comunismo no continente americano.
a nada do que se passa no mundo são alheios os eua, e sabe-se lá o papel escondido que tiveram e têm na questão grega e outras.
cuba e irão foram sucessos diplomáticos conseguidos em negociações com cuidado e tempo. a diplomacia é a arte de evitar conflitos, procurar aproximações, cooperação, boas relações. no caso do irão viu-se isso e parece ter resultado

Jose Martins disse...

Senhor Embaixador,
Erros da Guerra do Iraque quem se deve estar a penitenciar e (creio) com alguns remorsos é o "perdigão" depenado que, abusivamente, usou o território nacional para mais três "caramelos" combinarem uma guerra que matou milhares de inocentes.
.
Os quatro que fizeram a guerra do Iraque andam por aí à solta....
.
Porém se de outro país (daqueles da mó de baixo) já teriam sentado o "traseiro" no banco do Tribunal Internacional de Haia e cumprirem as penas aplicadas pelo facto de causadores de sacrifícios a seres humanos que nada tinham a ver com a guerra, levada a cabo por capricho para eliminar um homem (fosse como fosse) governada o Iraque.
Saudações de Banguecoque

CORREIA DA SILVA disse...

Caro José Martins :
TODAS as guerras, matam milhares de inocentes! Ponto.

Joaquim de Freitas disse...

O comentário do Senhor Correia da Silva faz-me pensar à Madeleine Albright, secretária de estado americana, que respondeu a uma questão sobre as 500 000 crianças iraquianas mortas por causa do embargo americano : Le prix en valait le coup ! Valia a pena!

Com esta maneira de pensar chega-se a justificar todas as guerras, todos os crimes e mesmo os genocídios. Mesmo os cometidos por aqueles que consideramos inimigos dos nossos valores!

CORREIA DA SILVA disse...

.

"Palavras sobre a guerra, de pessoas que estiveram numa guerra, são sempre interessantes;
palavras sobre a lua, de um poeta que
nunca esteve na lua, têm toda a probabilidade de serem enfadonhas."

Mark Twain


Francisco Seixas da Costa disse...

Tem razão, Correia da Silva. É como palavras sobre diplomacia, por quem só atravessou a fronteira do Caia para ir comprae caramelos...

Manuel Alegre

Tenho muita pela pelo facto de não ter podido estar ontem presente no lançamento do livro de memórias de Manuel Alegre. Manuel Alegre é, nes...