quarta-feira, setembro 02, 2015

"The Bastards"


Há poucos meses, no meio de uma caixas com livros do meu tempo de Londres, dei com "Bastards", um panfleto provocatório escrito em 1993 por uma deputada conservadora, Teresa Gorman, contra a liderança do primeiro-ministro John Major. 

O título do livro estava ligado a uma entrevista dada por Major a um canal de televisão. Recordo-me muito bem dessa conversa, dirigida por um dos mais experientes entrevistadores. À época, a questão europeia estava no centro do debate no Reino Unido e nós, na embaixada, acompanhávamo-la com muita atenção. Estando longe de ser um euro-entusiasta e debatendo-se com a limitação de ser um fraco "sucedâneo" de Margareth Thatcher, que não fazia o pleno do partido, Major tentava pilotar a difícil posição de Londres perante os seus parceiros. O seu esforço era procurar acomodar um euroceticismo nacional muito evidente com a preservação do papel do Reino Unido na Europa, com vantagens importantes para a City e para o prestígio do país à escala global.

Essa entrevista até não correu mal a John Major. As últimas perguntas haviam sido precisamente sobre os deputados conservadores minoritários, que se mostravam mais rebeldes. Entre eles, havia uma mulher, Teresa Gorman. Era uma figura expressiva, "outspoken", muito anti-Bruxelas e assumidamente situada à direita, em várias temáticas políticas essenciais.

Na conversa tida com o jornalista, Major foi firme perante a dissidência que se adivinhava, mas, ao que me lembro, até foi bastante correto no modo como a abordou. Quando a entrevista acabou, a gravação do som continuou, inadvertidamente. Horas depois soube-se, por um "leak" do canal televisivo, que, nesses segundos de conversa, tida como "off the record" com o jornalista, Major tinha qualificado os seus opositores de "bastards"! Foi o bom e o bonito!

Nos dias seguintes, a imprensa explorou o assunto e os conservadores que mais descontentes estavam com o primeiro-ministro reagiram fortemente quanto à agressividade que, mesmo se em privado, Major se permitira ter. Teresa Gorman foi das personalidades mais escandalizadas e, poucas semanas depois, publicou um livro que, por algum tempo, fez sensação e que se intitulava precisamente "The Bastards". Nele se apresentavam os argumentos eurocéticos e se atacava violentamente John Major. O meu exemplar do livro repousa agora na Biblioteca Municipal de Vila Real onde, aliás, creio que não deverá ter grandes filas para consulta...

Perdi de vista o percurso de Teresa Gorman desde então, tendo apenas sabido que foi suspensa do partido e se tornou, por várias outras razões, uma personalidade mediática. Morreu agora com 83 anos, num tempo em que o Reino Unido volta a um novo "round" de tensão com a Europa.

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