quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Lóbi

Ontem, um comentador protestou contra a utilização do termo lóbi, para designar o "hall" de um hotel. Confesso que estava mais à espera de uma reação quanto ao aportuguesamento da palavra "lobby", mas tudo bem. E é a propósito de um lóbi de hotel que me lembrei de uma historieta.

Estávamos na Zâmbia, a meio de uma longa viagem governamental por vários países africanos. Não faço ideia a quem, naquele caso, competia a responsabilidade pelas reservas, mas a verdade é que, chegados bastante cedo ao Hotel Intercontinental de Lusaka, idos de Harare, naquele final dos anos 80, nos demos conta de que faltavam dois quartos para a delegação portuguesa. Arrumados os membros da delegação mais afortunados, eu e o Duarte Ivo Cruz constatámos que, para nós, não havia quartos. Ou melhor: havia uma vaga promessa de poderem "aparecer". Para utilizar uma expressão que o então chefe da delegação portuguesa viria, décadas depois, a tornar popular noutro contexto, nós podíamos dizer que sabíamos que íamos ter um quarto, só não sabíamos é quando e em que condições!

A visita oficial comportava, entretanto, alguns "números", entre os quais uma visita ao presidente Kenneth Kaunda, bem como reuniões e uma multiplicidade de contactos. Intercalando tais eventos, havia passagens pelo hotel onde a delegação se acolhia. A delegação, não! A maioria da delegação! Porque eu e o Duarte continuávamos com as nossas malas recolhidas em quartos alheios e, nesses intervalos, contactávamos, com progressivo desespero, a receção ou a direção do hotel, metíamos "cunhas" através de empresários locais e da nossa embaixada, sempre em diligências cada vez mais ansiosas, porque a noite se ia aproximando. E, perante o olhar descansado (e demasiado sorridente, parecia-nos) dos nossos colegas, que se regalavam com bebidas no bar e conversavam entre si relaxados, nós os dois andávamos, de um lado para o outro, labutando verbalmente por uma cama onde descansar a noite.

O jantar oficial nem nos caiu bem, porque, acabado este, lá voltámos nós, ansiosos, ao lóbi do hotel. E seria já depois das 11 da noite que, numa taquicardia angustiada, finalmente, recebemos as chaves dos nossos quartos, para logo constatarmos, com forte choque, que deles haviam sido literalmente "despejadas" duas famílias africanas, com filhos, que foram dormir sabe-se lá para onde. Mas, àquela hora da noite, o nosso limiar de solidariedade estava já ultrapassado pela lei da sobrevivência.

Foi nessa altura, culminadas que haviam sido as dezenas de diligências feitas, junto de imensos interlocutores, que o Duarte Ivo Cruz, que comigo brindava o mútuo "sucesso" com um merecido whisky, se saiu com uma frase que recordo até hoje: "Só agora percebi, verdadeiramente, por que razão a esta área dos hotéis se chama "lóbi". Foi isso mesmo que andámos o dia inteiro a fazer..."

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Códigos

Há quase três décadas, no lóbi de um hotel estrangeiro, assisti a uma conversa, em que participou um então responsável político português, cujo tom me marcou para sempre. A discussão centrava-se nas políticas do futuro Banco Central Europeu e, muito em particular, nos termos de referência que essa nova instituição deveria seguir, com vista a assegurar o objetivo central da sua ação - a estabilidade dos preços.

Essa figura, homem que, aliás, prestou assinaláveis serviços ao país, afirmava, com toda a serenidade e certeza, que a nova instituição deveria limitar-se a seguir uma espécie de "breviário" técnico, independente de quaisquer juízos pessoais de valor, à luz da "sabedoria" acumulada pela doutrina económica, ao longo de décadas: "Perante uma evolução no sentido X, deve proceder-se a uma correção na direção Y. Mais nada!". E deu, como exemplo similar, os códigos jurídicos que, para uma determinado comportamento, estipulam uma certa pena.

Sou sempre muito cético perante este tipo de "sapiência" e automatismo. A assim ser, um destes dias colocamos um computador a tomar decisões e vamos todos para a praia... A história tem, quase sempre, muito maior imaginação do que os homens - como se vê bem pelo destino caricato das previsões económicas, a médio e longo prazo. Por isso, nessa noite, guardei modestamente as minhas reticências, mas "fiquei cá na minha". 

Porque é que falo disto hoje? Porque acabo de ler, com algum cuidado, as observações da troika ao comportamento da economia portuguesa, que hoje vive sujeita aos seus particulares métodos de cura e que bebe, com ânsia e impaciência, a "nota" das "frequências" a que está sujeita, antes de estipendiar, para nosso cíclico alívio, a paternal "mesada" trimestral. E dei comigo a pensar que parece subsistir naquelas instituições, bem como nos técnicos que coreograficamente as representam, uma matriz de receituário que, na metodologia, não se afasta muito da observância de "códigos" similares àqueles de que nos falava aquele nosso político.

Embora nada disto seja especialmente novo, e sei lá bem porquê!, acho que hoje não vou dormir muito descansado.

Limites

Eram os primeiros meses de 1976. "Desterrado" pelo MNE no então "Ministério da Cooperação" (de cuja existência poucos se lembrarão), no edifício em que hoje funciona o Ministério da Defesa, tinham vindo almoçar comigo, num restaurante à zona do Restelo, dois colegas das Necessidades, tal como eu recém-entrados na carreira. Acompanhava-nos à mesa um outro amigo com quem eu trabalhava e que lhes havia apresentado na ocasião, oriundo de uma área técnica.

A certo passo, um dos colegas vindos do MNE mencionou que estava colocado na então "Comissão Internacional de Limites com Espanha", estrutura que se ocupava das temáticas de fronteira. Ironizámos em como deveriam ser "fascinantes" alguns temas com que lidava nesse serviço, de que era exemplo notório a escaldante questão do regime de utilização dos mouchões aluviais. Mas o meu amigo técnico, para grande surpresa de todos, deu estranha nota de estar interessadíssimo na temática, fazendo imensas perguntas ao meu colega.

Devo dizer que, a certo ponto, comecei a ficar com a sensação de que, na realidade, ele estava apenas a "fazer a folha" ao jovem diplomata, tais eram as atenções, de uma quase afetividade, que lhe ia dirigindo. Achei divertida a cena e, confesso, acabado que foi o almoço, mais curioso fiquei quando vi os dois a trocar cartões e a combinarem contactos futuros. "Caramba, foi tiro e queda!", pensei, então já surpreendido com a minha naïveté, à qual tinha escapado a aparente propensão mútua para aquele tipo de afinidades eletivas.

Passaram-se umas semanas e, ao cruzar-me no MNE com o meu colega diplomata, não resisti: "Então, voltaste a encontrar aquele amigo que te apresentei há tempos?". Com a maior naturalidade, o meu colega respondeu: "Sim, sim! Almoçámos, há dias. É muito simpático" e, talvez detetando um brilho de discreta ironia no meu olhar, adiantou: "Sabes o que ele queria?". Nem me deixou no embaraço de presumir e, com um largo sorriso, logo esclareceu: "Queria que eu me inscrevesse na Liga dos Amigos de Olivença, de que é diretor. Como eu estou na "Comissão de Limites", achou que, um dia, eu poderia "dar um jeito", sabe-se lá!...". Rimo-nos a bom rir. Afinal, eram apenas essas a afinidades que andavam no ar.

Lembrei-me disto a propósito da encenação da "Guerra das Laranjas", em Olivença, tema que agora deu para mobilizar alguns amigos meus, algo agitados no seu pousio.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Jornalismo

"Árvore caiu sobre automóvel que circulava perto de Mafra há um ano" - este elucidativo exemplo, de fino recorte estilístico, fazia parte, há minutos, do texto de uma notícia da SIC.

Anda por aí muita gente preocupada com as consequência da entrada em vigor do novo Acordo Ortográfico. Não os vejo, contudo, tão pressurosos em denunciar a iliteracia de quantos, com calinadas deste jaez, põem em perigo a salubridade da escrita pública.

Aproximamo-nos a passos largos dos tempos, recordados pelo João Paulo Guerra, num almoço que há meses tivémos com Baptista-Bastos, em que um inspirado plumitivo escrevia: "Era meia noite e, no entanto, chovia..."

domingo, fevereiro 26, 2012

"Football"

Há muitos anos, na nossa rádio, havia a "Tarde desportiva" da Emissora Nacional. Era anunciada com esta célebre marcha de John Philip Sousa e abria umas horas de "relatos", feitos por fantásticos locutores, por cujas descrições éramos forçados a imaginar, sem direito a "replay", se, afinal, tinha sido ou não penalty no 28 de maio, em Vidal Pinheiro ou no Alfredo da Silva. Não sei como andam os relatos futebolísticos, mas imagino que a televisão os tenha desqualificado.

Ontem, fiz uma "tarde desportiva" um pouco menos típica, mas nem por isso menos clássica. Nada como uma gripe para umas boas horas de futebol televisivo, esse saudável desporto de bancada almofadada. E, claro!, que melhor do que excelente futebol britânico para alegrar quem gosta do espetáculo? Um "darjeeling", trazido há dias do londrino Brown's, substituiu a "pint" de cerveja que o momento impunha, mas que a terapia não aconselhava. 

Pude assim assistir, em paralelo, ao golpe de asa do "velho" Ryan Giggs, que segurou o Manchester United de sir Alex na perseguição citadina ao City, bem como à ampla vitória de um Arsenal do historicamente "tremido" Arsène Wenger, já fora do título, perante um Tottenham sem chama. Ao apreciar este clássico "North London derby", lembrei-me das minhas errâncias pelos estádios da capital britânica, nos anos 90. "Hooligans" à parte, respirava-se já então por ali, como em nenhum outro lugar, o fascínio do mais belo espetáculo desportivo do mundo.

Em miúdo, ouvia falar de Wembley com o pico do Everest futebolístico. A vida deu-me o feliz ensejo de por lá assistir a algumas "cup finals", no tempo em que a cobertura do estádio era ainda sustentada por colunas, que chegavam a tapar a vista. Por lá assisti à lesão que foi o princípio do fim trágico de Paul Gascoigne. O velho Wembley já se foi, mas o seu lugar de "catedral" imbatível não se perdeu.

Perto da minha casa, fui duas ou três vezes a Stamford Bridge, esse estádio que mais tarde se "aportuguesou" com Mourinho e os jogadores que ele consigo levou para o Chelsea. Pena agora por lá o "special two", Villas Boas, que ontem adiou contra o Bolton a saída que o Abramovich lhe deverá fazer em breve pelo portão da Fulham Road.

Vi outros "portugais" por relvados de Londres. Tive o prazer de assistir à vitória do Benfica, em Highbury Park, sobre o Arsenal - o meu clube londrino. Estava-se nos anos gloriosos de George Graham e, se alguém pretender saber o que ser fã dos "gunners" significa, leia o delicioso "Fever Pitch" de Nick Hornby. Também em White Hart Lane, numa noite triste de 1992, assisti o Porto perder contra o Tottenham, por 3-1, para a Taça das Taças.

E, "last but not the least", devo dizer que foi com algum orgulho que, ao lado do então líder trabalhista britânico John Smith, ao tempo em que eu chefiava interinamente a nossa embaixada, dei o pontapé de saída formal no jogo amigável em que o Sporting bateu por 2-1 o Millwall, em agosto de 1993, nas inauguração do seu novo "The Den".

Tenho saudades, confesso, de voltar a um jogo ao vivo num estádio londrino, no meio daqueles cânticos que, não sendo de fraternidade, nos remetem para uma Inglaterra de outro tempo. A mesma, afinal, onde nasceu o "football".

Em tempo: a minha tarde terminou a ver o Sporting a ganhar ao Rio Ave. Sou um " leão" atípico: ainda hesitei entre a forte vontade de ver Sá Pinto perder o lugar, tão cedo quanto isso for possível, e o salvar do que resta da época. Mas, claro, gostei do resultado. Convençam-se, porém, os sportinguistas: há vitórias que nos vão sair caras...

sábado, fevereiro 25, 2012

Selassie

O anedotário popular português durante a ditadura era feito de pequenas historietas, que se pretendiam ridicularizadoras do regime e das suas figuras. Vistas à luz do humor de hoje, essas graças aparecem de uma inocuidade quase infantil. Mas, à época, repetidas à boca pequena nos empregos e nos cafés, constituiam-se como um subtil discurso de resistência, denegridor da seriedade formal com que as personagens do poder sempre gostam de se revestir.

Uma dessas historietas dizia respeito à visita a Portugal, em 1959, do imperador da Etiópia, Hailé Selassie. A visita, integrada numa frustrada sedução de líderes "do sul" para amenizar a pressão internacional sobre a política colonial portuguesa, processava-se cerca de um ano depois da grande "chapelada" eleitoral que havia colocado o contra-almirante Américo Tomaz no palácio de Belém. O sufrágio havia sido comprovadamente recheado de fraudes, o que, para muitos, terá inviabilizado a eleição do candidato opositor, o general Humberto Delgado. Por essa razão, a legitimidade política de Tomaz, como presidente, era, à época, ainda muito contestada em largos setores portugueses.

O Negus foi recebido no Cais das Colunas, em Lisboa, em "grande estadão", pelo novo presidente da República (não consegui encontrar uma foto conhecida desse encontro, com Tomaz de imponente bicórnio). E é assim que a pequena "história" regista o que teria sido o primeiro contacto entre os dois:

- Eu sou Américo Tomáz, presidente de Portugal.

- Eu Selassie (leia-se "sei lá se é)...

Ontem, ao verificar que a missão da troika vai passar a ser dirigida pelo etíope Abebe Selassie, não pude deixar de me lembrar da anedota. Com a certeza plena de que a curiosidade fonética do nome do novo "fiscal" não deixará de acordar entre nós, uma vez mais, o inesgotável e corrosivo poder do riso, qualidade essa que nunca ninguém nos conseguirá confiscar, por mais amarelo que ele possa andar, nos dias que correm.

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Contágio

Ontem de manhã, tinha marcado um encontro de trabalho com o meu colega grego na UNESCO. Mas uma forte febre, consequência de uma gripe, obrigou-me a cancelar a reunião.

Lembrei-me que não seria prudente estar a transmitir-lhe a minha doença. Se, nos últimos tempos, anda por aí tanta gente preocupada em não sofrer qualquer "contágio" dos gregos, seria pouco correto sermos nós a contagiá-los...

"Confio na justiça!"

Com a qualquer vulgar cidadão, causa-me sempre uma grande estranheza a contradição de decisões entre as diversas instâncias judiciais. Leem-se as razões que sustentam as mesmas e fica-se com a ideia de que, sendo a justiça uma atividade humana como outra qualquer, a sua aplicação depende demasiado das pessoas que a exercem. Para quem, como o tal vulgar cidadão que sou, quer ver a justiça como um referencial seguro na sociedade, no qual todos possam confiar, devo dizer que o que muitas vezes se passa não ajuda nada à criação de um ambiente de estabilidade. 

A tudo isto acresce a frequência dos "leaks", as quebras impunes do segredo de justiça, a cacofonia mediática de responsáveis e, principalmente, o protelamento cíclico das audiências, o prosseguimento desmesurado dos processos, a consciência de que, tal como na medicina, quem conseguir pagar melhor tem uma "melhor justiça". E, às vezes, até mesmo umas confortáveis prescrições.

Durante alguns anos, falou-se muito na necessidade de um acordo de regime para reforma do nosso sistema de justiça. Como se sabe, nada disto avançou, o que, para o comum dos mortais, transmite a sensação de que as grandes corporações do sistema estão pouco interessadas em compromissos que possam abalar o seu poder relativo. Isso, aliás, é patente na considerável resistência que sempre se deteta quando qualquer novo titular governamental da pasta decide tentar "cortar a direito". A experiência passada mostra que, quase sempre, se acabou numa "reformette", como por aqui se diz.

Nas últimas horas, dois mediáticos processos judiciais foram objetos de decisões. Não conheço os fundamentos de cada uma delas, embora me lembre bem das datas em que os portugueses iniciaram a contagem de esperança para se saber toda a verdade sobre as coisas que esses processos pretendiam averiguar. 

Em ambos os casos - basta recuar 72 horas! -, todos os protagonistas e acólitos aguardavam as decisões escudados na ritual frase "confiamos na justiça!". Mas, como a justiça é o que é, e não pode agradar a ambas as partes, acabou por ir por um lado, não tendo seguido pelo outro. E, então, a que é que assistimos? Aqui del-rei!, "não se fez justiça!". Mas então a justiça é só aquela que dá razão àquilo que pensamos? Provavelmente, por estas e por outras, é que a justiça que temos é a justiça que merecemos.   

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

José Afonso

Tive a sorte de poder assistir - de pé, bem à frente - ao espetáculo histórico que teve lugar no Coliseu dos Recreios, de Lisboa, em 29 de Março de 1974, pouco antes do 25 de abril.

Hoje, dia em que passam exatamente 25 anos sobre a morte de José (Zeca) Afonso, aqui fica uma imagem desse momento, na qual se podem ver, da esquerda para a direita, Barata Moura, Vitorino, José Jorge Letria, Manuel Freire, Fausto, Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira. Foi uma sessão memorável, mas, se bem recordo, uma noite em que Zeca Afonso não cantou nenhuma das suas principais canções, porque a isso não estava autorizado.

Da sua produção, e numa versão "pura", escolhi o tema de 1963 "Os Vampiros".

Baptista de Matos

"Nós não somos imigrantes, nós somos cooperantes, somos pessoas que viemos aqui para vos ajudar a aprender a fazer bem estas coisas" - terá sido esta a resposta de José Baptista de Matos a comentários xenófobos que, quando trabalhador dos caminhos de ferro franceses, recebeu de um responsável da obra em que operava, nos anos 70 do século passado.

Quem ontem nos contou isto, numa intervenção na embaixada de Portugal, foi o "maire" de Fontenay-sous-Bois, Jean- François Voguet, que conhece Baptista de Matos há mais de quatro décadas e que testemunhou a cena.

José Batista de Matos construiu um sólido prestígio, como dirigente associativo da comunidade e como ativista cívico em defesa dos interesses dos seus concidadãos. O reconhecimento disso já o tinha feito a "Cité nacionale de l'histoire de l'immigration", que ao seu exemplo de luta e sucesso pessoal dedica hoje em dia uma bela vitrina.

Ontem, com a significativa presença do secretário de Estado das Comunidades portuguesas, Baptista de Matos recebeu a ordem de Mérito com que foi agraciado pelo presidente da República portuguesa. Uma homenagem simples devida a um homem que, durante toda a sua vida, perseverou pela dignidade dos portugueses mas, igualmente, pela relação sempre fraterna com a França que o acolheu.

terça-feira, fevereiro 21, 2012

"Mademoiselle"

Saiu ontem a determinação oficial que, aqui por França, acaba com o qualificativo de "mademoiselle", em todos os documentos públicos. Aparentemente, trata-se do culminar de uma luta para pôr termo ao sexismo que obrigava a revelar o caráter celibatário das jovens (e outras não tanto quanto isso) senhoras. Agora, só resta o qualificativo de "madame", embora eu me interrogue como o receberão as adolescentes. Logo se verá.

Em português, julgo que nunca tivémos o "menina" na nossa documentação, mas noto sempre as senhoras deliciadas com o subliminar "rejuvenescimento", quando assim as apelidam. E, devo dizer, sempre achei que chamar "mademoiselle" a alguém tem um sentido bem simpático e nada discriminatório. 

Só espero que, daqui a uns tempos, o mesmo "politicamente correto" não obrige a mudar as "Demoiselles de Rochefort" para as "Dames de Rochefort" e outras coisas similarmente "corretas".

Olivença


Há muitos anos, como dezenas de milhares de portugueses já fizeram, fui de romagem a Olivença, para visitar uma terra que, pelos tratados históricos, deveria ter passado para a soberania portuguesa e nunca o foi. Faço parte de uma geração que foi educada na ideia de que "os espanhóis ficaram com Olivença" e que, da mesma maneira que hoje reivindicam Ceuta, Melilla e Gibraltar, os nossos direitos sobre Olivença continuam a ser indiscutíveis, até porque estão juridicamente mais protegidos.

Em 1996, participei nas negociações governamentais que, superando um anterior impasse, gizaram, com sucesso, uma fórmula transfronteiriça para assegurar a ligação das duas margens do Caia, entre Elvas e Olivença, sem que Portugal e Espanha tivessem que alterar as suas diferenciadas posições sobre a soberania da área. A velha Ponte da Ajuda, de que fica uma foto, era a antiga ligação.
 
O Ministério dos Negócios Estrangeiros português tem, sobre o assunto, uma doutrina estabilizada e, não deixando de recordar as nossas posições quando adequado, sempre teve a sabedoria de não transformar a questão num "casus belli" com Madrid. A diplomacia de Santa Cruz conhece bem a nossa doutrina.  

Há dias, perante uma agitação festiva do município oliventino a propósito da "Guerra das laranjas", gizou-se em Portugal um movimento de protesto contra a comemoração da usurpação. Alguns novos "compagnons de route" da causa juntaram-se ao estimável "Grupo de Amigos de Olivença" e trouxeram a lume, uma vez mais, a agenda reivindicativa histórica. Nada que, a este ou a outro propósito, não surja com regularidade.

Os portugueses devem continuar a visitar Olivença, a passear por aquelas ruas onde já estivemos como nação, onde figuram testemunhos inapagáveis da nossa presença, como é o caso da bela Misericórdia.

E, já que por ali andam, os visitantes devem ir um pouco adiante, ao caminho de Malos Passos, em Villanueva del Fresno, ver o monumento aí erigido em honra da memória de Humberto Delgado e Arajaryr de Campos, barbaramente mortos pela PIDE, em 13 de fevereiro de 1965. Ironicamente, para efeitos deste assassinato, a PIDE como que se considerou em seu território.

* Foto de Laura Margarida

domingo, fevereiro 19, 2012

UNESCO

Inicio hoje funções (também) na UNESCO. Para além de dirigir o trabalho diplomático português em França, cabe-me, a partir de agora, representar o nosso país numa organização que tenta que o projeto universalista da paz se concretize através da educação, da ciência e da cultura. 

Por ironia, são precisamente as clivagens políticas que levam a que a UNESCO atravesse hoje um período algo complexo, com fortes restrições orçamentais, que muito afetam o seu funcionamento e os seus programas. Não é a primeira vez que a organização passa por tempos turbulentos e, estou certo, vai conseguir, tal como já aconteceu no passado, ultrapassá-los. 

Portugal tem um histórico de trabalho muito positivo na UNESCO. Melo Antunes desempenhou um lugar cimeiro na organização e, no plano diplomático, Portugal foi nela representado por figuras que deixaram uma sólida marca de prestígio. O êxito da campanha que levou, há poucos meses, à consagração do Fado como "património imaterial da humanidade" testemunha bem o grande profissionalismo da nossa presença na organização.

Esse passado faz também parte da responsabilidade que agora herdo. Espero poder assegurar uma passagem de testemunho segura e, em especial, estabelecer com a diretora-geral da UNESCO, Irina Bukova, por feliz coincidência uma amiga pessoal de há muitos anos, um frutuoso ambiente de trabalho.

"Não somos a Grécia!" (3)

Pois não!

Igrejas Caeiro (1917-2012)

Imagino que a morte de Igrejas Caeiro possa deixar indiferente muita gente, que nunca nele ouviu falar e que nunca escutou a sua inconfundível voz, que é parte da história da rádio portuguesa.

Igrejas Caeiro, um homem perseguido pelo Estado Novo, pelas suas ideias democráticas, faz também parte da nossa história cívica, nomeadamente como deputado à Assembleia Constituinte.

É sempre triste constatar a morte de um dos nossos "Companheiros da Alegria". Particularmente num tempo em que, cada vez mais, "uma nota de quinhentos não se pode deitar fora".

"Não somos a Grécia!" (2)

Pois não!

sábado, fevereiro 18, 2012

Síria e Kosovo

Na sexta-feira, estive presente na cerimónia que, em Paris, assinalou o 4º aniversário da independência do Kosovo, uma realidade política até hoje reconhecida por 88 países, entre os quais 22 da União Europeia, incluindo Portugal.

Não pude deixar de recordar-me, na ocasião, que o Kosovo talvez hoje deva a sua existência à intervenção militar promovida pela NATO, em 1999, feita à revelia de qualquer legitimação do Conselho de Segurança da ONU, então bloqueado pela obstinação russa e chinesa. Uma ação discutível mas que, para largos setores da comunidade internacional, se justificou por ser talvez a única forma de suster a repressão sangrenta das forças sérvias sobre a população kosovar. 

A atual crise síria evoca, naturalmente, o caso do Kosovo. Também agora largos setores da opinião pública internacional sentem que se está perante um verdadeiro escândalo: a completa impunidade de uma ação impiedosa de um regime sobre a sua própria população. E, uma vez mais, a oposição russa e chinesa no Conselho de Segurança está presente. Só que, nesta conjuntura, o quadro geopolítico não aponta no sentido de alguns países poderem ser tentados a agir militarmente, mesmo sem o conforto da legitimidade multilateral.

Alguns tentam "perceber" as razões formais da Rússia e da China, ao não darem luz verde para uma pressão constrangente sobre Damasco: os ocidentais mostraram, na Líbia, que a resolução 1973 foi "abusada" e que, da imposição de uma "no fly zone", se passou rapidamente para um processo de "regime change", que não estava previsto no mandato onusino. E ambos os países também temem que, por esta via, comece a consagrar-se um "direito de ingerência", princípio que sempre recusaram, pela utilização alargada e sem controlo que dele pode fazer-se. Razões discutíveis mas arguíveis, no plano dos princípios.

O que a Rússia e a China parece não perceberem é que, ao não partilharem, em situações graves como estas, as preocupações de grande parte do mundo, além de ficarem ligados, inapelavelmente, aos fautores das barbáries, contribuem para condenar a ONU a uma irrelevância que degrada a sua imagem e legitimidade. De bloqueio em bloqueio, vão dando razões a quantos acham, às vezes por motivos que não são os melhores, que, em situações limite, é preciso "ir a jogo", ultrapassando os impasses onusinos. E que assim se cria, na opinião pública internacional, um ambiente de crescente condescendência face a possíveis ações unilaterais, sem limites nem mandatos, que possam pôr cobro a situações de flagrante escândalo humanitário. 

"Não somos a Grécia!"

Pois não!

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Francês

Numa conversa, há dias, uma figura do mundo económico francês comentava, com agrado, o facto de Portugal ser um país francófilo e francófono, elogiando a circunstância dos nossos diplomatas e outras figuras portuguesas com quem se cruzava falarem, quase sempre, "um ótimo francês".

Retorqui-lhe que a realidade não será tão rósea quanto ele julga. Com efeito, se é normal que aos diplomatas seja exigido um conhecimento razoável da língua francesa, já esse atributo começa a rarear muito no resto da sociedade portuguesa, fruto da avassaladora presença do inglês. E lembrei-me de uma pequena história.

Um dia, nas funções executivas que ocupei, convidei um contraparte francês para se deslocar a Portugal. Num almoço de trabalho que organizei no palácio das Necessidades, reuni alguns colegas e altos funcionários. Um dos responsáveis políticos, um jovem secretário de Estado, dez anos mais novo do que eu, brilhante e promissora figura desse governo, logo após ser apresentado ao convidado francês, perguntou-me se ele falava inglês.

Tomei a pergunta como uma mera curiosidade, sabida que é a escassa propensão de muitos políticos franceses para línguas estrangeiras. E respondi que, de facto, já tinha ouvido o nosso convidado falar inglês. Acrescentei, curioso: "porque é que você pergunta isso?". A resposta foi cristalina: "Porque eu não falo 'uma palavra' de francês..."

Nesse preciso instante, dei-me melhor conta da realidade de haver hoje uma nova geração (também) de políticos, em Portugal, que foi educada tendo o inglês como língua central da sua formação e que estão hoje já muito distantes dessa grande língua de cultura que é o francês, infelizmente, e de facto, em forte regressão entre nós. No meu caso, não tenho dúvidas: muito do que sou o fiquei a dever à língua francesa e ao mundo que ela me abriu.

Semana inglesa

No passado domingo, passeando pela londrina King's Road, com todas as lojas abertas, lembrei-me do conceito da "semana inglesa" - a conquista do direito ao descanso obtida no início do século XX. Inicialmente, era um dia e meio sem trabalho nos serviços, passando, mais tarde, a dois dias completos. O comércio foi sempre mais flexível, embora o domingo se tivesse mantido, durante muito tempo, um período "sagrado" de encerramento de quase tudo.

O mundo, entretanto, mudou. A flexibilização dos horários, que sempre existiu em sociedades com direitos sociais limitados, foi-se impondo no mundo liberal, impulsionada, em especial, pela pressão do comércio, ou melhor, do dinheiro. A concorrência entre os diversos modelos de comercialização acabou por criar uma "epidemia" quase inescapável.

Hoje mesmo, foi anunciado que o presidente Nicolas Sarkozy tem intenção de alargar as já existentes facilidades de abertura do comércio ao domingo, um pouco na linha do seu conhecido slogan político: trabalhar mais para ganhar mais. Aliás, muitas zonas turísticas, e não só, de Paris já abrem regularmente todo o fim-de-semana.

Neste tempo em que também alguns feriados desaparecem, em que se flexibilizam certas coisas que tínhamos por adquiridas, talvez algum contraditório não faça mal aos espíritos. Por isso, este fim de semana, já coloquei de parte, para reler, o "Droit à la paresse", o clássico de 1880 de Paul Lafargue, uma obra que imagino não deva ter desagradado ao sogro do autor.

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...