quarta-feira, dezembro 12, 2012

Investimentos

Nos tempos que correm, as possibilidades de captação de novos investimentos estrangeiros para Portugal são, naturalmente, mais reduzidas. Com efeito, a crise global obriga a uma prudência bastante grande em matéria de colocação de capitais e algumas incertezas existentes sobre a situação económica portuguesa também não ajudam. Por essa razão, importa fazer tudo quanto esteja ao nosso alcance para poder manter os investimentos já existentes e, muito em particular, tentar dar oportunidades de expansão e melhoria à sua atividade.

Tenho-me dedicado, em vários contextos, a falar com muitos investidores franceses em Portugal, procurando colocar-me à sua disposição para tentar ajudar a ultrapassar problemas com que possam ser confrontados na sua atividade no nosso país. Antes de partir para Paris, há quatro anos, falei com representantes em Portugal dos grandes investidores franceses e, ao longo deste tempo, tenho procurado, em modelos diferenciados, ser deles e de outros um interlocutor útil junto da nossa administração.

Hoje mesmo, organizei na embaixada um pequeno-almoço de trabalho para tentar identificar entraves com que se defrontam operações francesas no mercado português. Deste como de doutros exercícios similares, alguns com visitas a sedes de empresas francesas, tenho colhido úteis lições sobre os pontos em que, segundo esses interlocutores, Portugal pode e deve evoluir por forma a tornar-se um espaço mais atrativo para os investimentos franceses.

Neste esforço de contacto com os atores empresariais, tive algumas surpresas. Alguns dos aspetos que, entre nós, são regularmente badalados pela opinião publicada como sendo os maiores constrangimentos à ação das empresas estrangeiras em Portugal acabam por não ser identificadas por estas como estando na sua agenda prioritária. E, muito curiosamente, outras questões pouco mencionadas nesse discurso público acabam por constituir-se como obstáculos mais relevantes para o dia-a-dia de muitas empresas. Às vezes, são mesmo pequenas coisas que, com atenção, boa-vontade e determinação, podem ser resolvidas com menor dificuldade, mas com vantagens para quem arrisca os seus capitais entre nós. 

Querem exemplos? Lamento mas não dou, porque não quero contribuir para reforçar a agenda com que certa comunicação social se compraz a pintar o "Portugal negativo" com que alimenta as suas colunas.  

terça-feira, dezembro 11, 2012

Clubes parisienses

Contrariamente a Londres, onde a cultura dos clubes subsiste de há muito e se reproduziu até ao exagero, a vida parisiense tem escassos, embora belíssimos, locais desse género, usualmente muito frequentados por homens, mas com as senhoras a terem em alguns deles uma presença crescente.

Antes de chegar a Paris, foi-me recomendado vivamente, por vários amigos, que me inscrevesse no "Cercle de l'Union Interallié", um comodíssimo clube na rue du Faubourg St. Honoré, junto ao palácio do Eliseu, com um jardim magnífico, bela piscina e restaurantes de grande qualidade, onde é muito prático convidar para almoçar ou para jantar no verão. É um clube muito popular entre os embaixadores, cujo acesso ao vizinho "Nouveau Cercle de l'Union" já é mais complexo, mas que acabei por visitar nas reuniões do júri do "Prix des Ambassadeurs".

Poucos meses após a minha chegada, recebi um convite de pessoa amiga para me tornar sócio do "Travellers", clube irmão do seu homónimo britânico, de que já aqui falei. O "Travellers" parisiense fica no nº 25 dos Champs Elysées, no famoso "hôtel Paiva", um prédio com ligações a Portugal, também por muitos crerem que foi nele que Eça se inspirou para "desenhar" o mítico "202", que nos descreveu em "A cidade e as serras". Com os tempos, fui recebendo convites para me tornar associado do "Jockey Club", do "Automobile Club" e do "Polo de Paris". Confesso que nunca ninguém me sondou para o exclusivo "Le Siècle". Os embaixadores estrangeiros, de passagem por Paris, são "peças" sociais que têm alguma facilidade em terem acesso temporário a esses locais exclusivos. Alguns, mais deslumbrados, confundem isto com uma espécie de eterno "upgrading social", não se dando conta do caráter efémero desta sua "valorização", coitados!

Mas, enfim, a verdade é que esses clubes existem, são locais muito agradáveis e passar por eles, uma vez por outra, acaba por constituir uma experiência interessante, até sob o ponto de vista da sociologia de uma certa sociedade parisiense. Embora, diga-se, mais para quem quer alimentar relações pessoais, com maior ou menor impacto em negócios. Embora, para os diplomatas, os clubes acabem por se tornar locais confortavelmente "neutros", onde, num almoço ou num fim-de-tarde, se podem fazer "démarches" discretas ou sondagens com maior confidência, que seria menos prudente executar nos endereços das missões diplomáticas.

Falo disto com o à-vontade de quem tomou a decisão, desde a chegada a Paris, de, não vir a ser sócio de nenhum clube. Não por qualquer preconceito - vou sempre a esses locais, como convidado, com imenso gosto -, mas, muito simplesmente, porque nunca tive vida que me permitisse alimentar uma relação custo-benefício minimamente aceitável que justificasse o "investimento" nas jóias e cotas respetivas. Aliás, interrogo-me sempre quando ouço colegas gabarem-me as maravilhas do uso regular da piscina do "Cercle" ou os fins-de-tarde com uma bebida a acompanhar uma conversa no "Travellers" ou no "Automobile", na varanda sobre a place de la Concorde. No que me toca, nunca tive tempo para isso, aqui em Paris: em quase 90% dos meus dias (e não exagero!) saio do trabalho ao bater das "badaladas" das oito e meia da tarde! Mas deve ser defeito meu!

Porque falo disto hoje? Porque, a convite de um querido amigo e sem nenhuma agenda, fui ontem almoçar (e bem!) ao "Jockey Club". Em Lisboa, prometo retribuir-lhe com a gastronomia simples, mas bem portuguesa, do nosso Círculo Eça de Queiroz, o único clube do género de que, nos dias de hoje, me permito ser sócio.

segunda-feira, dezembro 10, 2012

Sporting

Como outros amigos sportinguistas, evito, nos últimos tempos, ver jogos da minha equipa, para tentar sofrer menos. Ontem, porém, chegado a Paris, dispus-me a olhar o "derby" entre o Sporting e uma esforçada agremiação desportiva que se aloja ali perto do Colombo. 

Que diabo de ideia fui eu ter! Raramente tenho visto um Sporting como este! Mas, como me comentou, entretanto, um amigo "lampiónico", essa minha impressão negativa é capaz de ser "exagerada" pelo facto de não ter visto outros jogos em que o Sporting ainda jogou bem pior...

Enfim, este Sporting, clube de Portugal em anos de "troika", vai ficar na nossa "história".

domingo, dezembro 09, 2012

O Esteves

Ontem, em conversa num grupo de amigos, comentava-se a circunstância de, em alguns países com problemas de segurança, ou apenas com governantes menos populares, a imprensa oficiosa se referir sempre no passado às deslocações oficiais, evitando o anúncio antecipado das mesmas. Em alguns desses países, tais visitas são mesmo consideradas uma espécie de "segredo de Estado".

Em silêncio, lembrei-me que, no tempo de Salazar, tantas eram as notícias que relatavam que "o senhor presidente do Conselho esteve ontem em visita a ..." que, no léxico da oposição mais moderada, o ditador era designado pelo "Esteves".

Mas este é o tipo de anedota que não se consegue "traduzir". Por um lado, ainda bem: evita lembrar que, há poucas décadas, nós também vivíamos assim. Às vezes, há quem pareça esquecer isto. 

sábado, dezembro 08, 2012

Trópicos

Na minha infância, havia lá por casa um globo metálico onde, desde muito cedo, me habituei a identificar duas linhas paralelas, cuja razão de existência útil nunca consegui que então alguém me explicasse, embora muito delas se falasse: os trópicos de Câncer e de Capricórnio. Desde cedo, porém, percebi que esses trópicos não tinham o mesmo "charme" do Equador, nem sequer dos círculos polares - ártico e antártico.

Com a vida, aprendi que "Trópico de Câncer" e "Trópico de Capricórnio" eram também títulos de dois livros de Henry Miller. Pelo primeiro, depreendi, aliás, que a vida em Paris podia ser uma coisa bem divertida. Só que Miller não era embaixador...  

Como não sou dado a astrologia e coisas assim (só acredito no que vejo e, ultimamente, quase me recuso a crer nalgumas coisas que vejo), devo dizer nunca mais pensei nesses trópicos. Até ontem. Dentro de um 4x4, ao olhar para o mapa de uma região por onde ando, dei-me conta de que acabava de atravessar o trópico de Câncer. Não foi coisa que particularmente me excitasse, mas referi o facto às pessoas que comigo viajavam e, sem surpresa, deparei-me com uma completa indiferença. Concluí, assim, que isto de trópicos já não é o que era.

Por associação de ideias, recordei-me que, por uma legislação diplomática já antiga, era dada uma pequena majoração, em matéria de tempo de serviço para a aposentação, a quem tivesse prestado serviço em postos situados um determinado número de "graus" a norte e a sul do trópico de Capricórnio (15º, creio eu)*. (Coisa similar acontecia a quem tivesse servido em países em "guerra civil ou guerra internacional"). Será que isto ainda se pratica? Ou será que, nos dias que vivemos, lá para os lados da praça das Cebolas e da Sul-e-Sueste ainda são aceites estas regras favoráveis a quem foi obrigado a labutar por zonas difíceis? Ou será que também tudo isto já foi derrogado pela única lei que não há dúvidas de estar em vigor - a da excecionalidade?

Por que é que me lembrei disto agora? Sei lá! Ia dizer, como o dizia Vinicius de Moraes, "porque hoje é sábado", mas nem sequer isso é verdade: já é domingo! Aproveitem-no!

(*Um comentador avisado corrigiu-me, entretanto. Leia-se o comentário)

sexta-feira, dezembro 07, 2012

O embaixador e o ministro (2)

As personagens são as mesmas do episódio ontem relatado: o ministro para as questões europeias e o seu embaixador junto da União Europeia, ambos de um país cujo nome, por qualquer razão, agora me escapa.

As duas figuras detestavam-se, mas era imperativa a sua convivência, para a defesa dos interesses do respetivo país. E o embaixador, forte das proteções de que dispunha, gozava regularmente com o ministro.

Um dia, durante uma reunião negocial em Bruxelas, o ministro, com o embaixador a seu lado, decidiu citar, numa sua intervenção, a opinião abalizada de uma figura marcante do seu país, muito conhecida internacionalmente, mas desaparecida então já há uns anos. Tratava-se de uma qualquer ideia sobre o futuro ou o sobre passado da Europa, já não recordo bem.

Fê-lo, como era seu timbre, com uma solenidade algo pomposa, pretendendo tirar efeito desse sábio comentário que a tal figura teria, em tempos, produzido, na sua presença.

A personalidade citada era de um campo político oposto ao do ministro, o que dava foros de alguma estranheza à sua invocação. A sala estava silenciosa, eu diria que menos por reverência e mais por curiosidade pela "performance" a que assistia.  Num determinado momento, com um procurado dramatismo, o ministro confidenciou:

- Eu vi-o, falei com ele.

Com isso, o ministro queria significar que, por mais estranho que isso pudesse parecer, atentas as suas diferenças políticas, tinham-se encontrado e, desse momento, resultara a ideia que agora nos transmitia.

Ora isto era "demais" para o embaixador, o qual, de viés, o olhava com visível ironia desde o início da intervenção. E não resistiu. Chegou-se à frente, inclinou-se para o microfone que partilhava com o ministro, o qual gozava um segundo de pausa, explorando o efeito da sua frase, e "esclareceu" sobre o momento da conversa:

- Antes da morte dele, bem entendido! - não fosse alguém suspeitar de qualquer diálogo do governante com os espíritos.

A sala soltou-se em gargalhadas. Todo o efeito pretendido pelo ministro se esvaiu, naquele instante. Já ninguém se lembrava mais o que de tão decisivo teria dito o ilustre falecido. Todos olhávamos para a cara furiosa do ministro, que se entaramelava a tentar recolar o discurso perante um fundo sussurrante de risotas contidas, e para o ar divertido do embaixador, ao seu lado, ciente de que tinha ganho o seu dia...

quinta-feira, dezembro 06, 2012

O embaixador e o ministro (1)

Há muito que havíamos notado que a relação entre aquele embaixador junto da União Europeia e o seu ministro para a Europa estava longe de correr às mil maravilhas. O "body language" de ambos, mais evidente da parte do embaixador, não deixava margem para dúvidas: apenas se suportavam. E mal.

Ao que se sabia, o diplomata estava escudado ao mais elevado nível na sua capital e o seu conhecimento da máquina comunitária havia-o transformado numa figura indispensável para a continuidade da política europeia do país, o que justificaria a sua prolongada longevidade no cargo. Já os ministros, iam e vinham com os ventos eleitorais. Por isso, ele podia continuar a dar-se ao luxo dessa atitude.

Entre outras cenas e apartes, com que o embaixador não poupava regularmente a figura do ministro durante as conversas com os colegas, ficou famosa a história da chegada de um convite para almoço, a ter lugar no topo do Justus Lipsius, sede do Conselho de ministros da UE, que sempre ocorria no decurso de uma determinada negociação, na segunda metade dos anos 90.

Para a delegação desse país, como era de regra, chegaram, pela mão de um contínuo, dois convites: um em nome do ministro (que, nesse dia, tinha faltado à reunião, por virtude de uma deslocação oficial) e outro para o embaixador, que o substituíra na reunião. 

Quando recebeu os convites, o embaixador olhou para o envelope destinado ao seu governante, e disse bem alto, audível por toda a sala, na qual as pessoas já estavam de pé, prestes a avançar para o almoço:

- Para o ministro X?! Mas o ministro morreu!

E, nesse mesmo instante, rasgou o envelope em quatro pedaços, que lançou ao ar.

O contínuo que havia entregue o convite - um castiço italiano, atarracado, de bigode, rabo de cavalo, brinco na orelha e gravata laça, que, ao contrário de nós, não estava informado da razão da ausência do ministro -  reagiu, surpreendido:

- O quê!? Morreu?! O ministro X morreu?!

O embaixador nem o olhou nem lhe respondeu. Saiu da sala, deixando o contínuo, zeloso na sua tarefa de entrega dos envelopes, a propagar a "revelação" por quem lhos recebia, cujos sorrisos, manifestamente incompatíveis com a "gravidade" do que ouvira, deveria estranhar:

- Parece que o ministro X morreu, sabia?

Nunca cheguei a saber se o ministro em causa chegou a ter conhecimento da ousadia do seu embaixador. Mas, conhecendo-o, bem como à sua total ausência de sentido de humor, imagino que não deva ter gostado minimamente da graça, que eu e outros, testemunhas presenciais da mesma, guardamos na memória desde então.

Oscar Niemeyer (1907-2012)

A nossa República ainda não existia quando Oscar Niemeyer nasceu. Saíu ontem de cena, com 104 anos, ativo até muito tarde, atento à arquitetura e às coisas e causas da vida, em especial da política.

aqui dei conta de uma conversa que com ele mantive, no Rio, no andar em que todos os dias trabalhava, na avenida Atlântica. Fui vê-lo, acompanhado do cônsul-geral António Almeida Lima, a propósito da sua entrada para a nossa Academia das Ciências, para sócio da qual o fui convidar, a pedido de Adriano Moreira.

Na ocasião, perguntei-lhe como via a evolução de Brasília, que então se aproximava de meio século de existência. A cidade crescera para além de todas as expetativas, embora houvesse a consciência de que isso se devia muito ao "droit de regard" que ele mantinha sobre os principais projetos, sem o que a pressão imobiliária iria bem mais longe.

Niemeyer era um homem que falava bastante e não tinha medo das palavras. Explicou-me que a capital federal não deveria nunca ter acomodado tanta gente e que, por exemplo, os edifícios do Congresso eram destinados a quase um décimo dos atuais ocupantes. Surpreendeu-me ao referir que "a ideia era que Brasília tivesse muito poucos militares e hoje está cheia deles..." 

Tendo-lhe eu comentado que, apesar de tudo, Brasília seria sempre uma magnífica obra, uma terra onde, aliás, eu gostava muito de viver, Niemeyer afastou o olhar para aquela espécie de "bow window" facetada, que se projetava sobre a insuperável baía e, de repente, disse-me, de forma enfática: "Sim, embaixador, mas o Rio é a cidade..." Era o carioca de gema que nele vivia que não podia resistir à "cidade maravilhosa".

Os brasilienses estão agora de luto. E os poucos estrangeiros (não chegam a uma dezena) que, como eu, têm a honra de ser cidadãos honorários da capital federal também lamentam muito o desaparecimento da figura de génio que, com Lúcio Costa, deu corpo ao saudável "sonho louco" de Juscelino Kubitshek. 

Logo que regressar a Paris, em homenagem à memória de Niemeyer, cuidarei em passar uma vez mais em frente ao edifício que ele projetou na place Colonel Fabien, para a sede do Partido Comunista Francês, num gesto de dedicação à ideologia a que se manteve sempre fiel. Era esse comunismo, na "genuína" versão soviética, que lhe alimentou a sua aversão à sinistra ditadura militar e lhe inspirava artigos que, com alguma regularidade, a grande imprensa brasileira acolhia, não obstante a inapelável "idade" dessas suas ideias.

Em Portugal, é vulgar atribuir-se a Niemeyer o traço de um hotel no Funchal. Recordo-me que, quando lhe falei disso, foi evasivo: "É um trabalho feito por gente que trabalhava comigo", como que a afastar-se deliberadamente da paternidade dessa obra.

Mas quem é que entre nós sabe que, também em Portugal, Oscar Niemeyer projetou uma construção, que nunca chegou a ser completada, na quinta dos Alfinetes, nos arredores de Lisboa, que chegou a estar destinada à CPLP? Dizem-me que é hoje uma garagem. Será verdade?

terça-feira, dezembro 04, 2012

A. Campos Matos

Já uma vez por aqui falei de A. Campos Matos, uma das pessoas que, na minha opinião, ao longo das últimas décadas mais tem contribuído, em língua portuguesa, para a divulgação e aprofundamento de vários aspetos da vida e da obra de Eça de Queirós. Tenho pelo seu trabalho uma imensa admiração e, devo dizê-lo, tenho como intenção, após o meu regresso definitivo a Portugal, conhecê-lo pessoalmente, a fim de lha testemunhar.

Um amigo enviou-me agora o seu "Eça de Queiroz - silêncios, sombras e ocultações", uma interessante recolha de ensaios que teve uma primeira edição (embora mais limitada) no Brasil, terra onde a memória de Eça é tratada com desvelo e muita atenção.

Com a vida, aprendi que a devoção comum às grandes figuras literárias está longe de ser um fator de unidade dos devotos, como ingenuamente se poderia supor. Há dias, a propósito da colocação de uma placa na primeira morada de Eça de Queiroz em Paris, fui objeto de remoques de um descendente, que entendia que eu teria o dever de o convocar para o ato. Pelos vistos, A. Campos Matos também não escapa a estas polémicas, desta vez noutra sede, como o revela um opúsculo que publicou, chamado "Um caso insensato da cultura nacional - querela inútil mas inevitável".

O que Eça se haveria de divertir se soubesse as "guerra" de Alecrim e Manjerona que a sua memória ainda suscita.

segunda-feira, dezembro 03, 2012

Fortes



- Os portugueses chegaram aqui e construíram este forte, depois de terem circundado toda a África. Não é fantástico!

A expressão, de um responsável governamental do Oman, frente à fortaleza de Al-Jalali, o antigo forte de S. João, em Mascate, foi dita perante umas dezenas de pessoas, que logo me olharam, como se acaso os meus antepassados, de lá de Trás-os-Montes ou do Minho, pudessem reivindicar parte dessa glória. E eu, por tabela, como herdeiro natural das viagens que outros fizeram por nós.

- Pois na minha terra, no Benin, também construíram uma bela fortaleza, em Ouidah, disse uma voz, atrás de mim. Sorri silencioso, a lembrar-me do gesto estúpido do funcionário português que, em 1961, na iminência da sua expulsão de S. João Batista de Ajudá, deitou fogo a tudo, inclusivamente ao carro oficial, cuja carcaça hoje faz parte do museu no local.

A tanzaniana logo comentou: "Também construíram bastantes meu país", para logo o iraniano lançar: "há belos vestígios de Portugal na nossa costa", lembrando Ormuz.

Olhei em volta. O meu amigo do Qatar, que me fala sempre de ter nascido junto a um forte português, estava longe, ninguém do Bahrein andava por ali para lembrar o que também ficou por lá, a minha colega queniana não veio na viagem para lembrar Mombaça. Também não havia nenhum marroquino para citar a imponente Mazagão ou Safi, nem ninguém da Malásia para recordar Malaca, ou do Gana para recordar São Jorge da Mina. E, muito menos, algum indiano para citar o belo forte de Diu e o muito que aí ficou. Dos "Palop" não estava ninguém no grupo para inventariar a arquitetura militar portuguesa remanescente (do Cachéu a Luanda, da ilha de Moçambique ao forte de São Sebastião, em S. Tomé).

Naquele instante, tive pena de não ter, à minha volta, mais vozes internacionais para ajudar ao coro de glória histórica. Até que uma brasileira, casada com um europeu, adiantou: "E então no Brasil!? Conhecem as fortalezas portuguesas no Brasil? São fabulosas!". Mas nem ela se podia gabar de, como eu, de ter visitado a grande maioria delas - a começar por essa maravilha de dificílimo acesso que é o forte Principe da Beira, bem junto à fronteira com a Bolívia.

Isto passou-se ontem, numa viagem da UNESCO ao Golfo, a que me associei, no gozo das minhas últimas férias como embaixador.

O tempo das fortalezas militares já lá vai. Mas Portugal deixou, por aí, um prestigiante mar desses monumentos, marcos de um tempo histórico em que dava algumas cartas. E alguns tiros, porque o poder também se faz disso. E hoje, graças a essa herança, se há ainda coisa em que, pelo mundo, somos fortes é em fortes...

O meu barbeiro

Já aqui falei, um dia, no meu barbeiro. Eu sei que agora se diz "cabeleireiro", mas o meu amigo Joaquim Pinto não leva seguramente a mal que eu me exprima assim. O Sr. Pinto é uma figura que tenho gosto em ter como amigo, há quase 30 anos, um homem de invejável qualidade humana, uma pessoa que revejo sempre com grande prazer.

A que propósito vem isto? É muito simples! Há dias, "traí-o" pela última vez. É que vivendo no estrangeiro, e para não correr o risco de andar com um "cabelame" imenso, não indo a Lisboa com grande regularidade, tive de recorrer, ao longo dos anos, a outros profissionais do ramo. Mesmo sendo frequentemente de qualidade, é como visitar um médico que nos não conhece e a quem temos de explicar tudo deste o início, sem o que nos arriscamos a ficar, por algumas semanas, com uma imagem diferente daquela a que nos habituámos.

Na Noruega, sei lá porquê, foi um islandês que me calhou na rifa, com o qual me entendia por gestos, porque quase não falava inglês. Em Luanda, recorria a um velho barbeiro português que "ia a casa", com uma malinha de madeira com os apetrechos, para as sessões que decorriam... na cozinha. Em Londres, tenho ideia de ter visitado um barbeiro também português, numa qualquer periferia, creio que a conselho do Rui Knopfli. Em Nova Iorque, quase não me deram tempo a que me crescesse o cabelo e, tenho a certeza, em Viena apenas vi "O Barbeiro de Sevilha" à distância, na ópera. No Brasil, a memória dos barbeiros que me saíram em sorte não é das mais positivas. Até o Sr. Pinto, que é institucionalmente corporativo, um dia não resistiu: "Ó senhor embaixador. Quem é que lhe cortou o cabelo da última vez? É que isto não ficou lá muito bem..." Aqui por Paris, passei da vedeta portuguesa do ramo, o Mário Lopes, vencedor de prémios, para o Pierre, profissional francês, geograficamente mais à mão.

Mas isso acabou. Há dias, fui ao Pierre pela última vez. E, já em janeiro, regressarei, e em definitivo, ao sr. Joaquim Pinto, no Apolo 70, passe a publicidade. É um sossego, poder voltar às mãos hábeis de quem sabe o que pretendo, sem que eu nada tenha de dizer. E, neste tempo de "cortes", muito bom seria que eles fossem tão previsíveis como são os do meu barbeiro, pronto!, cabeleireiro de homens.

PS - O Sr. Pinto tem um blogue, onde fala da sua profissão e da sua arte. Um dia dei-lhe uma sugestão para o nome do blogue, que ele não aceitou, mas que eu acharia bem adequada: "Pêlo sim, pêlo não"...

domingo, dezembro 02, 2012

Decisões camarárias

Vai acabar a "Câmara Clara", nas suas duas vertentes na RTP2. Com o fim deste programa, com mais de seis anos, chega ao seu termo um modelo televisivo que, com grande dignidade e equilíbrio, Paula Moura Pinheiro encenava com a sua equipa.

 "A questão, premente, é a de saber que meios, que espaço e que visibilidade reserva o serviço público de televisão à cobertura de uma das áreas nevrálgicas do desenvolvimento do país: a inovação nas artes e nas ideias e a conservação do nosso extenso e precioso património cultural - da literatura à arquitectura" - é a questão que Paula Moura Pinheiro agora coloca. E tem toda a razão.

Um abraço solidário, Paula.

sábado, dezembro 01, 2012

1º de dezembro

Estava Madrid distraída com a Catalunha, quando um grupo da aristocracia lusa, a quem Castela não parecia dar a atenção devida, armou um motim em Lisboa e colocou fim a 60 anos que, entre nós, ficaram conhecidos como "o tempo dos Filipes". Na passada, um membro da família Bragança ficou no trono. Farto da tutela estrangeira e do Vasconcelos que lhe impunham, o povo gostou da mudança, ao que rezam as crónicas.

Passaram 372 anos. Filipe de Espanha e a própria Espanha são outros, a Catalunha continua a distrair Madrid e nós cá estamos, com os Braganças a banhos, com bilhete a pagar para ver o trono sem dono na Ajuda. A independência, essa é o que pode ser, nos dias que correm, com os reis, valetes ou damas do baralho que Portugal sempre foi.

O "Expresso", entre outros comentadores, traz-me hoje a dizer algo sobre o tema provocatório que a sua Revista escolheu - "Portugal acabou?". O texto que lhes enviei, para que dele escolhessem o que quisessem para publicação, rezava o seguinte:

O conceito de independência nacional tem-se transmutado ao longo do tempo. A crescente interpenetração das economias, a livre circulação dos capitais e a prevalência dos modelos de segurança coletiva, bem como de formas institucionalizadas de gestão multilateral das soberanias, tudo isso relativiza os modelos tradicionais de independência.

É evidente que a afirmação da independência depende muito da nossa capacidade de controlar o nosso destino imediato, pelo que, na crise económico-financeira atual, perdemos conjunturalmente muita independência. Mas essa perda é, a prazo, recuperável.

Nos dias que correm, a multiplicidade de certas ligações internacionais (pertença ao projeto europeu, participação na NATO, influência na CPLP, capacidade de afirmação nas Nações Unidas) acaba por conferir a Portugal um conjunto maior de garantias para a sua própria sobrevivência como Estado, de afirmação da sua identidade própria como país e de objetivação da sua vontade política. Estamos muito distantes do país tutelado pela Inglaterra que existia até ao final dos anos 20 do século passado ou do Portugal “coincé”, orgulhosa e teimosamente só, da ditadura salazarista, sem força para "mandar cantar um cego" fora das frágeis fronteiras de um império com pés de barro.

Todos somos hoje, pelo mundo, menos independentes e mais dependentes uns dos outros, embora com alguns a serem mais iguais do que outros, pela força natural das coisas. A atenção quase obsessiva que, há semanas, todos dedicámos às eleições americanas – nós, como os russos, os chineses ou os israelitas – é a prova provada da nossa dependência inescapável do futuro de um país que, queiramos ou não, dá hoje as cartas de um jogo em que todos procuramos arrebanhar o maior número possível de trunfos. A luta política internacional contemporânea é centrada na tentativa de cada Estado tentar reduzir, ao mínimo possível, as suas dependências. Mas nenhum Estado, nem mesmo os EUA, é hoje independente – do terrorismo, do petróleo ou dos golpes da natureza.

Portugal tem nove séculos e está aí “para as curvas”. Esta nossa "nonchalance” com a nossa independência, este gosto por dizermos mal de nós próprios (que se suspende quando outros dizem mal de nós à nossa frente, como se viu no caso “finlandês” ou na reação às diatribes de um responsável checo) e do nosso futuro, a snob ideia de “finis patriae” ou a autoprovocação com a diluição ibérica, tudo isso não passa de uma demonstração inequívoca de que estamos suficientemente seguros da nossa identidade para nos podermos dar ao luxo de brincar com ela, mesmo à beira do precipício.

Tenho imenso orgulho em ser português, até porque, por exclusão de partes, não sinto tentação de ser americano, francês ou espanhol. Por esse mundo fora, passo o tempo a encontrar gente que nos identifica como uma entidade com sustentação garantida na sua memória histórica, gente que olha para nós com surpresa quando algum português, neste jeito “self-deprecating” que alguns de nós usamos, se inflige masoquistamente alguns qualificativos negativos. Vejam-se os portugueses da diáspora e o modo como olham o seu país, talvez porque, no país dos outros, sabem bem como os fatores nacionais são explorados.

Querem um exemplo indireto deste orgulho na portugalidade?: o futebol. O hiperbolizar das glórias na ponta de uma chuteira, podendo não ser a mais nobilitante forma de ser patriota, é um sintoma de uma saudável “doença” nacional, que prova que o país “está lá”, no verde e vermelho da bandeira que a todos nos cobre... até aos nostálgicos monárquicos, agora num país sem coroa (embora também sem muitas coroas...).

Se há coisa que a integração da Europa trouxe aos europeus foi a necessidade de se mostrarem diferentes uns dos outros, o orgulho das regiões (e, em alguma Espanha e na Escócia, a vontade de ir mais longe), o sublinhar das identidades antropológicas, o “small is beautiful”, a pulsão pela subsidiariedade ao nível daquilo que nos distingue. Os países estão aí para ficar e nenhum “template” europeizante vai diluir a sua importância.

Portugal é uma ideia moderna e as dificuldades que atravessamos talvez nos tenham feito perceber que estamos num barco, que sendo mais um cacilheiro do que um paquete de luxo, é, no entanto, a única embarcação disponível para evitar um naufrágio. E o passado, onde crises bem maiores já nos ocorreram, vai provar que não temos vocação para “morrer na praia”, embora talvez tenhamos de fazer um esforço para nos convencermos de que não podemos, no futuro, passar tantos dias a gozar férias nela.  Não estou, por isso, minimamente preocupado com o futuro de Portugal como entidade autónoma no plano internacional.

E, já agora, viva o 1º de dezembro, também em Vila Real, depois do "regadinho" (ninguém, de fora, sabe o que isso é!), noite das homéricas ceias na academia, outrora feitas com carne das "penosas" surripiadas nos quintais menos atentos e adubadas a álcoois que funcionavam (agora já não devem funcionar, tal a precocidade das novas gerações) como ritos de passagem, por essas terras transmontanas. Em 2013, lá estarei, sem falta!

Em tempo: há precisamente quatro anos, no Brasil, fiz uma conferência sobre a nossa independência. Revi-a agora e não lhe alterava uma linha. Aqui fica "à toutes fins utiles", como dizem os franceses.

sexta-feira, novembro 30, 2012

Saldos

Público on-line, lido há minutos: "quem se reformar em 2013 terá corte de 4,78% na pensão". É o meu caso.

Tenho genuína admiração por esta precisão, milimétrica, às centésimas, prova de que tudo foi feito com um rigor matemático imbatível. É assim mesmo.Tudo certinho.

Estou mesmo a imaginar o ambiente: sala antiga, rapaziada nova, cabelo "à Católica", monitor gigante, Apple (claro!), "spreadsheet" com corzinhas e a piscar:

- É! A mim deu-me 4,78%. A que número é que tu tinhas dito que chegaste?

- A mim deu-me menos duas décimas e picos. "Checkaste" bem?

- Sim, sim. E assim até dá uma folga, pá! Sabe-se lá...

- Pois, então se calhar é melhor ficar assim. Isto ainda vai à concertação?

- Tás parvo ou quê? Isto já não tem nada a ver!

- Pensei...

- Pensaste mal. E, se queres que te diga, até estou surpreendido.

- Porquê?

- Ó pá, porque eu achava que a coisa ia lá prós 6%. Os gajos de 2013 ainda vão com muita sorte...

- Tinha graça se tivesse dado 4,99. Era como nos saldos!

- Essa era o máximo! Mas nem me dês ideias! Bem, vou andando, tenho que passar pelo "Rosa e Teixeira", tenho lá um sobretudo para provar. Já foste ao novo Belcanto? Vou lá hoje jantar, a ver se o Avillez merece a estrela. Ó Rosinha!, peça ao Santos se me põe o Audi à porta, tá bem? Aquilo é sempre um inferno para o tirar do pátio...

Vida

Duvido que haja muita gente que possa e queira gastar meia hora (é isso: meia hora!) do seu tempo com uma entrevista ao embaixador português em Paris, numa espécie de balanço de fim de carreira. 

Mas, para quem eventualmente possa ter essa paciência, aqui fica este trabalho dos (e, principalmente, das) profissionais da Lusopress.tv, a quem agradeço terem "encaixilhado" da melhor forma o autoretrato falado para que me desafiaram.

quinta-feira, novembro 29, 2012

Chirac

A figura pública viva mais popular entre os franceses, Jacques Chirac, completou ontem 80 anos. Nos últimos tempos, o seu estado de saúde tem limitado crescentemente a atividade pública do antigo presidente, mas, ainda há dias, o descortinei, num fim de tarde, a entrar no "Le Concorde", uma "brasserie" do boulevard Saint-Germain de que é frequentador habitual, avançando apoiado em colaboradores.

Tive o ensejo, ao longo de algum tempo, de estar presente, ao lado de António Guterres, em diversas reuniões com Chirac, em Paris e em Lisboa, mas igualmente em Conselhos europeus, onde ainda testemunhei a sua comum presença com Helmut Kohl, numa das "edições" do dueto franco-alemão que, à época, dava o tom à União Europeia. Era um homem de gesto largo, o qual sempre acompanhava a sua palavra, num tom que, parecendo algo teatral, ia bem com o estilo de uma certa França. Desenhava uma figura onde alguma arrogância era adocicada por uma naturalidade do "terroir" e por uma busca de cordialidade que o tornava globalmente simpático.

Guardo desses momentos com Chirac algumas memórias, mas, muito em particular, recordo, com genuína admiração, o seu trabalho incessante na longa cimeira que, em finais de 2000, concluiu o tratado de Nice. Foram vários dias e noites em que o chefe de Estado francês foi incansável, como figura central na busca por um compromisso que pudesse "salvar" a finalização do tratado. Portugal não foi dos parceiros mais fáceis nesse exercício. Nas noites de Nice, Chirac levou até muito tarde, às vezes no limite do aceitável, o "braço de ferro" com António Guterres, o qual não desarmou até obter o peso que queria para Portugal, em termos de votos no Conselho e no número de deputados ao Parlamento europeu, além de outros aspetos.

Por volta das três da manhã da noite final de negociação, Chirac chamou-nos a um canto da grande sala do Conselho e informou que a presidência francesa acedia exatamente ao que, desde o início, pedíramos. Foi a necessidade do fecho do compromisso, que só se faria por unanimidade, que o obrigou relutantemente a acomodar as nossas solicitações, depois de algumas horas em que a possibilidade do abandono por Portugal da mesa negocial chegou a constar - elemento que pode ter pesado na flexibilidade final francesa. António Guterres estava prestes a aceitar o compromisso, que era excelente, quando eu, numa ousadia de que hoje me admiro, decidi "explorar o sucesso" e intervim, perguntando a Chirac: "Senhor presidente, e o nosso pedido quanto à necessidade de haver sempre uma maioria de Estados membros para aprovar uma votação por maioria qualificada?". Essa era uma questão pela qual, como negociador português do tratado, contra a opinião de alguns na nossa delegação, me tinha batido durante quase um ano (por razões que não importa agora explicar, mas que quem quiser pode detalhar aqui). Chirac que, já numa reunião em Lisboa e noutra anterior em Nice, havia dado mostras de irritação com observações que eu fizera, mirou-me bem do alto da sua elevada estatura e, depois de uma troca rápida de olhares com o seu colaborador Pierre de Boissieu, que lhe "fez que sim" com a cabeça, lançou-me, muito pouco contente com aquele impertinente português, que andava sempre ao lado de Guterres, cujo nome nunca sequer lhe passou pela cabeça saber: "Encore vous! Vous l'aurez, votre majorité, vous l'aurez...". E, "for the record", esse princípio lá ficou no tratado de Nice e hoje ainda sobrevive no tratado de Lisboa.

Palestina

Portugal votou, nas Nações Unidas, em favor da atribuição do estatuto de  Estado observador não membro à Palestina.

Marcelo

Não é apenas a circunstância de ser um leitor habitual de biografias políticas que me leva a ter uma grande curiosidade face ao livro sobre Marcelo Rebelo de Sousa, escrito por Vitor Matos, ontem lançado. Conheço o biografado há bastantes anos, tenho com ele algumas histórias pessoais, que um dia talvez contarei, e, confesso, sempre segui o seu percurso - político e mediático -  com bastante interesse, embora da regularidade dos meus dias não faça parte ouvir os seus comentários.

Marcelo Rebelo de Sousa é um fenómeno nacional muito raro. O país trata-o, quase familiarmente, por "Marcelo", dando expressão a uma intimidade que com ele criou desde há muitos anos - nos jornais, na rádio ou na televisão. Sendo um dos "tutólogos" da pátria, a sua opinião é seguida ou, pelo menos, escutada, por mais de meio Portugal, o que lhe dá um elevado grau de influência nas ideias que se alimentam sobre a vida portuguesa. 

Diria que, para além de uma biografia, Marcelo Rebelo de Sousa mereceria um estudo sociológico sobre a importância do seu papel na sociedade portuguesa, na qual é, ao mesmo tempo, um comentador e um protagonista. Sobre essa dualidade, que tem a curiosidade de ser renovada recorrentemente no tempo, nos cargos e nos lugares de expressão pública, recordo o que, um dia, ouvi a Eduardo Lourenço, na Fundação Gulbenkian, aqui em Paris, na apresentação de uma conferência sua: "O Marcelo é uma figura que, desde há vários anos, está como que numa janela a fazer comentários sobre o país que passa na rua, lá em baixo, E, por vezes, nessa mesma rua passa também o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o qual, com naturalidade, ele também se pronuncia".  

quarta-feira, novembro 28, 2012

Eugénio Lisboa

Gostava muito de poder estar presente amanhã, em Lisboa, no Centro Nacional de Cultura (rua António Maria Cardoso, 68), pelas 18.00 horas, no lançamento do primeiro volume das memórias de Eugénio Lisboa, apresentadas por Guilherme de Oliveira Martins.

Na Londres da primeira metade dos anos 90, ao final da tarde, num tempo bem antigo em que ainda havia tempo nas embaixadas para conversas, recordo-me de algumas nos sofás azuis do meu gabinete em Belgrave Square, com o António Almeida Lima, o Jorge Torres Pereira e o Caldeira Guimarães, ouvindo histórias desse velho Moçambique colonial, contadas pelo Eugénio e pelo Rui Knopfli. Era a lembrança das polémicas literárias e da discussão em torno da poesia de Reinaldo Ferreira (filho), do mundo dos jornais locais e do recorte de figuras de jornalistas como o António de Figueiredo (que então vivia também em Londres), era a memória das artes de António Quadros (pintor) e Malangatana, era a política, desde Jorge Jardim às aventuras da oposição à ditadura, neste caso com saliência para Almeida Santos, os "democratas de Moçambique" e a igreja inquieta, bem como os prelúdios visíveis da Frelimo. Julgo que, num outro volume das suas memórias, o Eugénio vai-nos também conduzir por aí, pela certa.

Não faço ideia se o Jorge Torres Pereira, hoje embaixador em Bangkok, brevemente a caminho de Pequim, se recorda de um comentário que um dia fez, e que tenho na memória, depois de uma dessas charlas a duas vozes - distintas, polémicas, às vezes cáusticas e cruéis, mas ambas imensamente cultas e com imensa graça: "Você já reparou no privilégio que temos de poder, um dia, vir a evocar estas conversas com dois intelectuais que viveram experiências como o Lisboa e o Knopfli?". 

É verdade. Já não temos o Knopfli conosco, com o seu inseparável cigarro, às vezes com o cão debaixo do braço (até que eu proibi a entrada do bicho no escritório...). Mas o Eugénio Lisboa, a quem daqui envio um forte abraço, continua a dar testemunho da sua imensa e inesgotável vivacidade intelectual.

terça-feira, novembro 27, 2012

O nosso património

Foi há um ano que o Fado foi consagrado pela UNESCO como "património imaterial" da humanidade. Eu estava ainda longe de assumir responsabilidades no âmbito da organização e, à distância, como qualquer português, fiquei feliz com essa decisão.

O processo apresentado por Portugal foi então considerado exemplar, muito bem planificado e trabalhado no seio da organização e dos seus Estados membros. O nosso país tem dado provas que "não brinca em serviço", quando se compromete em iniciativas no mundo multilateral, onde apresenta um saldo muito positivo de êxitos.

Esta é mais uma razão para, no futuro, dever continuar a haver, por parte do Estado português, um grande cuidado na seleção das candidaturas que patrocina na UNESCO -  quer como "património imaterial" quer "material". Não é apenas porque uma entidade nacional entende, com maior ou menor razão, que um determinado "bem" português  deve merecer uma consagração no quadro da organização que isso deve comprometer, automaticamente, o nosso país. O Estado português, que tem como responsabilidade gerir a nossa imagem e os nossos interesses junto das entidades internacionais, tem a estrita obrigação de ser muito seletivo naquilo em que vai comprometer o nome de Portugal. Reconheço, com facilidade, que, às vezes, isso pode parecer antipático face a algumas iniciativas, suscitando reações regionais ou sectoriais menos compreensivas para com essas decisões. Mas o interesse nacional prevalece sempre sobre motivações locais, por mais bem intencionadas que sejam. 

Recordo que, há meses, tomámos a decisão, com algum custo público, de nos opormos à apresentação da candidatura a "património imaterial" do Cante Alentejano. Na altura, foi considerado que o respetivo processo não estava suficientemente preparado. Passaram alguns meses e, após um trabalho mais aturado e cientificamente apoiado, que melhorou substancialmente o projeto de candidatura, vamos avançar com ela no início de 2013. Valeu a pena esperar e não ceder às pressões do momento. 

O voluntarismo é muito importante e pode ser louvável. Mas nunca substitui o rigor e o profissionalismo.

Maduro e a democracia

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